Quatro
anos antes da publicação da Utopia, Nicolau Maquiavel (1469-1527) havia escrito
o seu O príncipe, livro no qual se perguntava se seria possível a um governante
mudar os costumes de uma sociedade por meio de leis novas que pretendessem
alterar esses hábitos. É exatamente essa questão que está posta em forma de
diálogo entre Rafael Hitlodeu e o personagem que
representa More no livro.
Para
o autor inglês, a melhor forma de promover mudanças na sociedade seria por meio
da educação, que, aos poucos, eliminaria, ou pelo menos minimizaria, o que estava errado. Para Rafael, esse método
seria extremamente lento e incerto, de maneira que o melhor seria elaborar
decretos, mesmo que difíceis e detestáveis, capazes de
provocar mudanças efetivas no comportamento
social.
Trata-se
de uma questão plenamente atual: pode a lei modificar os costumes de forma
efetiva? Um indivíduo que pratique um ato apenas pela força coativa da lei ou
pelo medo da punição, será, de fato, um
cidadão?
Para
More, na sua Utopia, parece claro que a resposta é não. Na sua
opinião, o convenienter seria proceder como os
utopianos, ensinando às crianças desde cedo o que são
e como se praticam as virtudes cidadãs. Então, à medida que essas virtudes
fossem incorporadas à vida social, se tornariam
leis.
O
Estado moderno, assim como o experimentado viajante Rafael, não aceitou esse
demorado e inseguro método de mudança social. A utopia moderna- não a de More –
deve ser implementada o quanto antes e pela força
coativa da lei. Bastaria que um grupo de letrados ou de legisladores percebesse
o que seria certo para que isso fosse legislado e todos os cidadãos passassem a
ser obrigados a cumprir a lei. Esse sonho é um dos pilares sobre os quais se
assenta o Estado moderno. Se assim for feito, acredita-se, as leis conduzirão, cedo ou tarde, a uma
sociedade livre, justa, pacífica e feliz.
Eis
a Utopia moderna.
More,
no entanto, acreditava que esse não era o caminho, pelo simples fato de que a
virtude não pode ser normatizada. O exercício do certo e do conveniente só seria
possível por meio de atos virtuosos e
voluntários.
Na
verdade, a Utopia de More coloca-nos diante de um dilema muito atual: segurança
ou insegurança. O homem moderno optou pela segurança e, por isso, acredita no
império da lei. Thomas More acreditava na insegurança e, por isso, defendia a
necessidade da educação para as virtudes públicas e
privadas.
Talvez
prefiramos a segurança da lei, mas convém não esquecer
de Guimarães Rosa, para quem “viver – não é? – é muito perigoso. Por que
ainda não se sabe. Porque aprender a viver é que é o viver
mesmo.
Autor:
Rafael Ruiz
Revista:História
Viva Ano IX N° 106 pg
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