O
pensamento da Modernidade foi tomado de obsessão pelo problema da “identidade”,
que é o problema da autoconsciência, o problema do eu. Trata-se da pergunta que,
com matizes diversos, tem seu ponto de partida em Descartes, para por Kant e
termina em Hegel.
Acontece , no entanto, que esta pergunta, por importante que
seja, termina por fechar o sujeito em si mesmo, bloqueando-o na bolha do próprio
eu. Daí a necessidade de passar a outro delineamento: da pergunta pela
“identidade” à pergunta pela “diferença”. Daí em autores como Lévinas e Derrida, a idéia da diferença é pensada começando
pelo Outro e não por ele Mesmo, de maneira que o Outro “é o novo centro de
atenção na filosofia e na ética”. Produz-se assim a grande virada que
necessitamos neste momento para sair de nós mesmos e dedicar a devida atenção
aos mil problemas que afeta o outro, os outros.
Com
base nessa suposição, considera-se inteiramente válido e lúcido o que, com toda
a razão, o professor Miroslac Milovic escreveu: “o sofrimento da pessoa em particular, de
uma criança, por exemplo, não necessita de nenhuma interpretação ética
posterior. Não necessita da ajuda do imperativo categórico cujo tema é definido
como fim em si mesmo. O imperativo categórico é supérfluo neste encontro com a
criança que sofre. Para decidir, necessitamos dos imperativos categóricos, ou
discursos, no caso do sofrimento? Necessitamos da metafísica de Lévinas? A invocação dessa criança que sofre é finita,
frágil, e não já infinita ou absoluta. Nossa obrigação já não é ética, mas
poética, sem os modelos. Assim, a ética se transforma em uma obrigação poética.
A obrigação sem a ética já foi anunciada por Abraham, pensada de novo por Kierkegaard e Derrida. Nessa poética, e não já na ética,
talvez seja possível pensar no futuro da
política.
Ocorre,
porém, que quando falamos de “obrigação poética”, na realidade já não estamos
falando de obrigação, mas de necessidade. A poesia não é um “dever”, e, menos
ainda, um imperativo categórico. A poesia é a expressão mais profunda de nossa
necessidade de canalizar a experiência estética, que brota das fibras mais
sensíveis de nossa humanidade.
Livro: A ética de
Cristo pág.
59-60
Autor: José M. Castillo
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