Autora: Rosângela Chaves
Uma historieta que remonta à época medieval, quando as cidades européias eram protegidas por altos muros, narra um episódio divertido envolvendo um vigia de uma dessas fortificações. O tal personagem adora fazer brincadeiras de mau gosto e, um belo dia, resolveu pregar uma peça na população inteira do reino: soou um alarme falso anunciando que o inimigo se aproximava. A reação foi imediata e todo o povo se postou junto à muralha, em posição de defesa. Contaminado pela comoção geral, o vigilante fanfarrão acabou por se unir ao batalhão, pronto para a luta, acreditando na própria mentira.
Esse pequeno conto, como costuma acontecer com as histórias recolhidas da tradição oral, carrega um ensinamento moral. No caso, o de que o risco que corre todo mentiroso contumaz é de passar a crer nas invencionices que costuma espalhar, já que cria para si um universo de pura fantasia, em que realidade e ilusão não mais se distinguem. Esse perigo ainda é maior se ele encontrar pela frente uma platéia disposta a lhe dar crédito – uma mentira compartilhada é sempre uma ameaça muito mais poderosa à verdade do fatos -, como ilustra a anedota medieval sobre o sentinela trapalhão.
Com algumas adaptações, as lições desta antiga fábula podem valer para os nossos políticos, sobretudo em época de campanha eleitoral, Omo agora. Não é que eles, como o vigilante da história, estão sujeitos à possibilidade de começar acreditar piamente em tudo aquilo que prometem, nas ilusões que se habituaram a vender. A questão não é a crença deles próprios no conteúdo do que dizem, mas a fé que depositam no aparato que empregam. O problema está no paredão de autoengano que os candidatos erigiram em torno de si mesmos, convencidos como parece que estão de que os artifícios do marketing são suficientes para convencer os eleitores.
Resta saber até quando os eleitores vão concordar em continuar a ser esses espectadores passivos, ainda que desconfiados, desta encenação.
Jornal O Popular do dia 26 de setembro de 2012.
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