PRAZERES DA MELHOR
IDADE
A voz em Congonhas
anunciou: "Clientes com necessidades
especiais, crianças de
colo, melhor idade, gestantes e portadores do cartão tal terão preferência
etc.". Num rápido exercício intelectual, concluí que, não tendo necessidades
especiais, nem sendo criança de colo, gestante ou portador do dito cartão, só me
restava a "melhor idade" - algo entre os 60 anos e a
morte.
Para os que ainda não
chegaram a ela, "melhor idade" é quando você pensa duas vezes antes de se
abaixar para pegar o lápis que deixou cair e, se ninguém estiver olhando,
chuta-o para debaixo da mesa. Ou, tendo atravessado a rua fora da faixa,
arrepende-se no meio do caminho porque o sinal abriu e agora terá de correr para
salvar a vida. Ou quando o singelo ato de dar o laço no
pé esquerdo do sapato equivale, segundo o João Ubaldo Ribeiro, a uma modalidade
olímpica.
Privilégios da "melhor
idade" são o ressecamento da pele, a osteoporose, as placas de gordura no
coração, a pressão lembrando placar de basquete americano, a falência dos
neurônios, as baixas de visão e audição, a falta de ar, a queda de cabelo, a
tendência à obesidade e as disfunções sexuais. Ou seja, nós, da "melhor idade",
estamos com tudo, e os demais podem ir lamber
sabão.
Outra característica da
"melhor idade" é a disponibilidade de seus membros para tomar as montanhas de
Rivotril, Lexotan e Frontal
que seus médicos lhes receitam e depois não conseguem
retirar.
Outro dia, bem cedo, um
jovem casal cruzou comigo no Leblon. Talvez vendo em mim um pterodáctilo da clássica boemia carioca, o rapaz perguntou:
"Voltando da farra, Ruy?". Respondi,
eufórico: "Que nada! Estou voltando da farmácia!".
E esta, de
fato, é uma grande vantagem da "melhor idade": você extrai prazer de qualquer
lugar a que ainda consiga ir.
Primeiro, a aposentadoria é pouca e você tem
que continuar a trabalhar para melhorar as coisas. Depois vem a
condução.
Você fica exposto no ponto do ônibus com o braço levantado
esperando que algum motorista de ônibus te dê uns 60 anos.
Olha... a analise dele é rápida. Leva uns 20 metros e, quando pára,
tem a discussão se você tem mais de 60 ou não.
No outro dia entrei no ônibus
e fui dizendo:
- "Sou deficiente".
O motorista me olhou de cima em baixo e
perguntou:
- "Que deficiência você tem?"
- "Sou
broxa!"
Ele deu uma gargalhada e eu entrei.
Logo apareceu alguém para me
indicar um remédio. Algumas mulheres curiosas ficaram me olhando e
rindo...
Eu disse bem baixinho para uma delas:
- "Uma mentirinha que me
economizou R$ 3,00, não fica triste não"
Bem...
fui até a pedra do Arpoador ver o por do sol.
Subi
na pedra e pensei em cumprir a frase. Logicamente velho tem mais dificuldade.
Querem
saber? Primeiro, tem sempre alguém que quer te ajudar a subir: "Dá a mão aqui,
senhor!!!"
Hum, dá a mão é o cacete, penso, mas o
que sai é um risinho meio sem graça.
Sentar na pedra e olhar a
paisagem.
É, mas a pedra é dura e velho já perdeu a bunda e quando senta
sente os ossos em cima da pedra, o que me faz ter que trocar de posição a toda
hora.
Para ver a paisagem não pode deixar de levar os óculos se não, nada
vê.
Resolvo ficar de pé para economizar os ossos da bunda e logo passa um
idiota e diz:
- "O senhor está muito na beira pode ter uma tontura e
cair."
Resmungo entre dentes: ... "só se cair em cima da sua mãe"... mas, dou um risinho e digo que esta tudo bem.
Esta titica
deste sol esta demorando a descer, então eu é que vou descer, meus pés já estão
doendo e o sol nada.
Vou pensando - enquanto desço e o sol não - "Volto de
metrô é mais rápido..."
Já no metrô, me encaminho para a roleta dos idosos, e
lá esta um puto de um guarda que fez curso, sei eu em que faculdade, que tem um
olho crítico de consegue saber a idade de todo mundo.
Olha sério para mim,
segura a roleta e diz:
- "O senhor não tem 65 anos, tem que pagar a
passagem."
A esta altura do campeonato eu já me sinto com 90, mas quando ele
me reconhece mais moço, me irrompe um fio de alegria e vou todo serelepe comprar
o ingresso.
Com os pés doendo fico em pé, já nem lembro do sol, se baixou ou
não dane-se. Só quero chegar em casa e tirar os
sapatos...
Lá estou eu mergulhado em meus profundos pensamentos, uma ligeira
dor de barriga se aconchega... Durante o trajeto não fui suficientemente rápido
para sentar nos lugares que esvaziavam...
Desisti... lá pelo centro da cidade, eu me segurando, dei de olhos com
uma menina de uns 25 anos que me encarava... Me senti o
máximo.
Me aprumei todo, estufei o peito, fiz força no braço para o bíceps
crescer e a pelanca ficar mais rígida, fiquei uns 3 dias mais jovem.
Quando
já contente, pelo menos com o flerte, ela ameaçou falar alguma coisa, meu
coração palpitou.
É agora...
Joguei um olhar 32 (aquele olhar de Zé
Bonitinho) ela pegou na minha mão e disse:
- "O senhor não quer sentar? Me
parece tão cansado?"
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