quarta-feira, 15 de agosto de 2012

ANTROPOLOGIA DA TERNURA

            
 A TERNURA : Conceituação geral

A terminologia já é indicativa. O substantivo português “ternura” (do latim teneritia) evoca a idéia de algo mórbido, desprovido de dureza ou rigidez, e remete a um afeto interior vivido com participação viva, afetuosa e dinâmica. Não menos interessante é o adjetivo “terno” (tenerum, de tender, estender-se para, projetar-se), o qual supõe i implica uma atitude que orienta a sair do seu para encontrar-se com o tu, tendendo para ele, em uma relação real de dedicação e de reciprocidade. Sob ambos os aspectos, a ternura se opões a duas atitudes existenciais bastante difusas e quase sempre conectada entre si: a dureza de coração, entendida como obstáculo, muro, rigidez, fechamento mental, e o retraimento sobre si mesmo como egocentrismo, incapacidade de dirigir-se ao outro, rejeição de diálogo e de troca. A ternura, ao invés, é flexibilidade, permeabilidade, abertura de coração, disponibilidade à mudança, e se constitui como rosto concreto de uma dileção afetiva que se faz benevolência e afabilidade. Trata-se, claramente, só de uma primeira aproximação, mas essa já indicativa de um percurso. É necessário proceder em tal direção.
O primeiro elemento a ressaltar é a inefabilidade. A ternura, como todo nosso mundo espiritual, reveste um profundo conteúdo de mistério, seja para nós seja par aos demais. E, de fato, é mais fácil viver a ternura do que descrevê-la, fazer a experiência do que falar dela. Duas imagens podem ajudar-nos: a imagem do coração e a do arco-íris. O coração, com seu duplo movimento de contração e expansão (sístole e diástole), ab intra e as extra, sugere a idéia de uma potencialidade afetiva que evoca a dinâmica do dar e do receber, do doar e do acolher. A sua própria forma física, pensando bem, com uma cavidade central que se protende para uma efusão, apela a uma dinâmica análoga. Não por acaso as artes, da literatura à pintura e à música, consideraram constantemente o coração como a imagem mais expressiva para simbolizar o amor, o amor de ternura mais do que o amor físico, o amor romântico mais do que o amor erótico. Com efeito, do coração brotam a sensação inebriante do namoro, a experiência maravilhosa do amor e de sua realização, a alegria da amizade e do estar juntos. No coração se esconde, por outra parte, a percepção “inquieta” (o agostiniano cor inquietum) da diferença insaturável entre a necessidade infinita de ternura e suas formas de atuação, inevitavelmente transitórias e exíguas, embora significativas e satisfatórias. O coração remete a uma sublimidade, a uma ternura que podemos somente intuir, desejar, mas que permanece sempre outra, como uma espera de transcendência que somente no absoluto de Deus encontra (ou encontrará) sua plena realização.
A outra imagem, a do arco-íris, não é menos sugestiva: a variedade harmoniosa das cores que o caracterizam lembra a variada riqueza das vibrações afetivas, alegres ou sofridas, que entram em jogo na vivência da ternura, não se tratando de um estado de ânimo estático ou achatado, mas sinfônico, envolvendo sensações e vivências que se sobrepõem, se sucedem e se unem entre si como em um concerto. A ternura se dá como extraordinária experiência de bondade que invade o espírito e o corpo, em uma intensa emoção que vibra e se aplaca em suave distensão e intensa alegria. Essa nasce como harmonia interior, síntese inconsciente, contudo atenta e vigilante, que brota do esplendor do belo e remete ao belo. A ternura é o fulgor da beleza e seu reflexo radiante. Como tal, ela tende para o alto, como o arco-íris que sobrevoa luminoso o horizonte, unindo a terra e o céu e despertando no mundo um grande sentido de serenidade, como de calma depois da tempestade.
É necessário estimar cada encontro ou circunstância com os olhos do coração, antes do que com aqueles da mente: a capacidade visual da ternura, antes do que a da razão prática, brota do coração, daquele coração que contém em si razões que a razão não conhece. É quanto intui a raposa no O pequeno príncipe quando explica ao amigo:
“Eis o meu segredo.
 É muito simples: não se vê bem senão com o coração. O essencial é invisível aos olhos, se vê só com os olhos do coração.”
Acolher a ternura como um acontecimento, procurar a ternura com uma conquista, estimá-la como potencialidade afetiva conduz, em última instância, a ativar esses olhos do coração que sabem ir além das aparências e permitem colher o essencial que permanece invisível à percepção da mente, sendo alcançável somente pelo amor. A afirmação de Saint Exupéry corresponde singularmente a uma das intuições  mais belas dos teólogos medievais: Onde reina o amor, ai existem olhos que sabem ver. Somente quem ama conhece.  A capacidade de amar e, com efeito, capaz de ir além do limiar imediato dos eventos, como uma lente de aumento ou um microscópio, fazendo intuir horizontes, de outra forma imperceptível. E tal é à força da ternura: uma sabedoria do coração que nenhuma escola pode ensinar, senão aquela que sabe iniciar ao amor. O problema é principalmente de ordem pedagógica: como nos tornar capazes de ativar em nós esta sensibilidade, esta sabedoria do coração?

“O homem não pode viver sem amor. Permanece para si mesmo um ser incompreensível, sua vida não tem sentido se não se lhe revela o Amor, se não se encontra com o Amor, se não o experimenta e não o faz próprio, se não participa dele vivamente” (RH 10).

“A vida é o presente que Deus nos fez. O modo na qual a vivemos é o presente que fazemos a Deus. Façamos de modo que seja um presente fantástico.”

Livro: Teologia da Ternura – Edições Paulinas pág. 29-31
Autor: Carlo Rocchetta






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