João
pacífico tocou a alma caipira dispensando
instrumentos
Quando
um cozinheiro do trem da Companhia Paulista de Estradas de Ferro se deu conta de
que o poeta modernista Guilherme de Almeida estava entre os passageiros, correu
para avisar o ajudante de cozinha, um rapaz de 21 anos, sobre o viajante famoso.
O jovem resolveu então escrever alguns versos em homenagem à ilustre presença.
Admirado, Guilherme pediu que o procurasse na rádio Cruzeiro do Sul,
em São
Paulo , na qual ocupava o cargo de diretor. Tinha início a carreira de João Pacífico, um dos nossos mais importantes
e
cultuados compositores de música caipira.
Nascido
na paulista Cordeirópolis, desde cedo João misturava profissões comuns e
atividades artísticas, principalmente a de declamador de poemas em rádios do
interior. Mas foi na capital, a partir do início dos anos 1930, que a carreira
realmente decolaria. Na cidade, ganhou o apelido de Pacífico, devido a seu
temperamento calmo e fala mansa. E também um parceiro musical, o cantor e
radialista Raul Torres, que, a seu lado, escreveria
clássicos da música sertaneja.
Sem
saber tocar instrumentos algum, João compôs cerca de 1400 canções, como Chico
Mulato, Perto do Coração, Cabloca Tereza. Só essa
última contaria com mais de 40 regravações. Cantores de diferentes estilos
levavam suas criações aos discos, com Nelson Gonçalves e Aurora Miranda. Já
entre os sertanejos, dá para contar nos dedos quem não gravou ao menos uma
música sua.
A
inspiração costumava vir da natureza e da alma do povo. Certa vez, uma seca das
bravas atingiu a região de Barretos. Comoveu-se ao ver uma procissão de
agricultores clamando por chuva. Compôs então a moda Pingo D’àgua: eu
fiz promessa/pra que Deus mandasse chuva/pra crescer a minha roça/e vingar a
criação.
Os
versos terminavam
com a volta das águas e com o pagamento (em triplo) da promessa: Fui
na capela/ e levei três
pingos d’àgua/ um foi o pingo da chuva/ dois caiu no
meu oiá.
João
surpreendeu-se ao receber centenas de cartas de gente da roça, agradecendo a
volta de verdade das chuvas. Depois disso, até bois passaram a ser batizados
como Pingo D’Àgua.
O
caipira de conversa fácil morreu em 1998, aos 88 anos, cultuado por grandes
nomes da cultura nacional. “É um compositor completo, a consciência coletiva da
cultura caipira”, afirma Paulo Vanzolini. O compositor Renato Teixeira
sintetiza: “Era um gênio”.
Revista:
BRASIL - Almanaque de Cultura Popular
Ano 14 nº 160 pág. 10
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