quinta-feira, 23 de agosto de 2012

JOSÉ- CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


José
E agora, José?
A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora José?
E agora você? Você que é sem nome, que zomba dos outros, você que faz versos, que ama, protesta? E agora José?
Está sem mulher, está sem discurso, está sem carinho, já não pode beber, já não pode fumar, cuspir já não pode,
A noite esfriou, o dia não veio, o bonde não veio, o riso não veio, não veio a utopia e tudo acabou e tudo fugiu e tudo mofou, e agora José?
E agora, José? Sua doce palavra, seu instante de febre, sua gula e jejum, sua biblioteca, sua lavra de ouro, seu terno de vidro, sua incoerência, se ódio – e agora?
Com a chave na mão quer abrir a porta, não existe porta; quer morrer no mar, mas o mar secou; quer ir para Minas, Minas não mais. José, e agora?
Se você gritasse, se você gemesse, se você tocasse a valsa vienense, se você dormisse, se você cansasse, se você morresse...
Mas você não morre, você é duro, José?
Sozinho no escuro qual bicho-do-mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar, sem cavalo preto que fuja a galope, você marcha, José! José! José, para onde?


Livro: Os cem melhores poemas brasileiros do século Pág. 109
Autor: Carlos Drummond de Andrade

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