sexta-feira, 24 de agosto de 2012

AGRADECIMENTO E FILOSOFIA




A pequenina estendeu o bracinho para cima, o pequeno pulso dobrado, os dedos segurando suavemente o papelzinho, que esvoaçava levemente. Ela me espreitou por uns segundos e disse: - Oh, eu vou soltar. Apenas observava. Olho para onde ele iria entre as areias, ou um velho pórtico de madeira enfileirado de flores, ou lá embaixo, o mar. E ela me explica: - é para o vento brincar.
Então eu olho par ao vento, para um telhado romântico inclinado sobre um estrado ao lado, para minha esposa, e meus olhos mergulhado de água, e embaçam a visão. Um pequenina de 4 anos que soltar um papelzinho em um solar na ladeia de pescadores par ao vento poder brincar. O vento macio, este que agora subitamente ganha forma, é gente, tem vontade, quer brincar e é possível que tenha também 4 anos. Quer brincar o vento, meu Deus! Agradecido e emocionado, observo o vento brincar com seu papelzinho. Poxa! Viajei milhares de quilômetros, o Brasil deve estar cerca de uma Lua daqui. E em minha alma eu tenho a certeza de que isso valeu a viagem, independentemente de tudo o mais. Menininha, menininha!
...e foi só deixar o vento brincar.
Há um poema de Alberto Caeiro que afirma o que segue:

“Para além da curva da estrada talvez haja um poço, e talvez um castelo, e talvez apenas a continuação da estrada. Não sei nem pergunto. Enquanto vou na estrada antes da curva só olho para a estrada antes da curva, porque não posso ver senão a estrada antes da curva. De nada me serviria estar olhando para outro lado e para aquilo que não vejo. Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos. Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer. Se há alguém para além da curva da estrada, esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada. Essa é que é a estrada para eles. Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos. Por ora só sabemos que lá não estamos. Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva há a estrada sem curva nenhuma.”




Revista: Filosofia - Ano VI Edição 72 pág. 74-75
Autor: Lúcio Packter


Nenhum comentário:

Postar um comentário