terça-feira, 28 de agosto de 2012

CLARICE E O SENSO COMUM



O senso comum sempre alardeou que  o maior poeta brasileiro de todos os tempos é Carlos Drummond de Andrande. Mesmo recitado como um parnasiano em festas de fim de ano, banalizando por e-mails com Power Points e camisetas de feira hippie, também concordo que Drummond é o maior e mais abrangente e mais permanente e mais intenso de todos os poetas desta terra, embora a poesia e a arte em geral não seja um esporte, e por isso não necessitaria de um ranking de “melhores”. Mas listas são umas das obsessões humanas e delas nem os poetas escapam. Sim, concordo, Drummond é “o maior”. Nem a secura agreste de João Cabral, nem o lirismo desbragado de Bandeira, nem o imaginário místico de Jorge Amado, nem a poesia multifacetada de Murilo Mendes, nem a dicção violenta e densa de Gullar conseguem suplantá-lo. Mas nem Drummond em toda sua glória é unânime.
Alguns artistas são relegados a um plano menor só por serem acessíveis. Como se o fato de ser ininteligível fosse sinal de qualidade e grandeza. Cecília Meireles, por exemplo, é uma poeta enorme, mas por ter ganho uma aura, digamos, “escolar”, por ser aceita, lida e entendida, sempre foi posta num patamar inferior pelos “entendidos”. Já Clarice Lispector, outra escritora imensa, tem aura misteriosa, profunda e filosófica, quase maldita, inalcançável. Mas não quero correr o risco de ser raro. Obviamente a escrita de Clarice é mais enigmática e cheia de signos e subtextos que a de Cecília, muito mais simples e despojada, ainda que rica. Mas os lugares que ambas ocupam num suposto ranking literário é emblemático disso que explanei acima. Quanto mais difícil, mais maldito. Quanto mais maldito, mais dotado de verniz estético. Quanto mais inteligível, menor.
Agora, redescoberta (e desvirtuada) pelas redes sócias, campeão de textos no face, Clarice passou de hermética a simplória, rainha da autoajuda, emissária do sentimentalismo mais rasteiro, sacerdotisa do óbvio. É, este mundo é mesmo cheio de ironia.

Revista: Isto é - Ano 36 Nº 2232 / pág. 130
Autor: Zeca Baleiro

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