No alto da montanha, erguido sobre uma rocha diante de uma multidão, Jesus tinha proclamado o programa do Reino. E agora estava dizendo que, para adorar, não são necessárias nem um palavreado abundante, nem fimbrias largas nem trombetas
de prata. Basta entrar no aposento interior, fechar bem as portas, encontrar-se com o Pai que está no ponto mais secreto e ficar com Ele (MT 6,6).
Quero traduzir essas palavras em outra linguagem, ampliando o horizonte de seu significado. Acima de todo, não se trata de um encontro de pessoas de carne e osso, que apertam as mãos para se cumprimentar e se sentam cada uma em sua cadeira para conversar. É fácil fechar as portas de maneira e puxar as cortinas das janelas de vidro. Trata-se, aqui, de algo muito mais impalpável. Este aposento interior é outro “aposento”, estas portas são outras “portas”, e este entrar é outro “entrar”.
Dissemos que todo encontro é intimidade e toda intimidade é recinto fechado, e recinto fechado significa silenciamento de tudo e aceder de uma “solidão” (presença de si mesmo ou “in-sistência”). É um encontro singular de duas pessoas singulares que se fazem mutuamente presentes em um aposento particularmente singular: em espírito e verdade. Nunca me cansarei de repetir o seguinte: para que Deus “apareça”, para que sua presença, na fé, se torne densa e consistente, é necessária uma atenção aberta, purificada de todas as aderências circundantes, a fim de preparar uma acolhedora “sala de visitas”, vazia de pessoas. Numa palavra, um recipiente para acolher o Mistério. Quanto mais silenciarem as criaturas e as imagens, quanto mais despojada estiver a alma, tanto mais puro e profundo será o encontro.
É impressionante a insistência de São João da Cruz a esse respeito em todos os seus livros.
“Aprendei a estar vazios de todas as coisas, tanto interiores como exteriores, e vereis como eu sou Deus”. (2 Subida 15,5)
A meu ver, a maioria dos cristãos fica fora das experiências fortes de Deus porque não faz esse difícil e imprescindível trabalho prévio do encontro. Compreendo que para nós, pobres mortais carregados pelo torvelinho da vida, não é fácil fazer todos os dias um encontro em profundidade com o Senhor Deus Pai. Contudo podemos fazer isso em tempos fortes. Quanto mais freqüentes forem esses tempos fortes, mais fácil será viver em permanente presença de Deus.
A tarefa tem duas vertentes. Primeira, do silenciamento. Segunda, a da percepção do próprio mistério.
Livro: Mostra-me o teu rosto
Autor: Inácio Larrañaga
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