UMA MEDITAÇÃO SOBRE UM POEMA DE FERNANDO PESSOA
Uma última meditação, versos de um poema de Fernando Pessoa. Ele se dirige ao poeta, ou ao contador de estórias, que são a mesma coisa.
Cessa o teu canto!
Cessa, que, enquanto
O ouvi, ouvia
Uma outra voz
Como que vindo
Nos interstícios
Do brando encanto
Com que o teu canto
Vinha até nós.
Ouvi-te e ouvi-a
No mesmo tempo
E diferentes
Juntas a cantar.
E a melodia
Que não havia,
Se agora a lembro,
Faz-me chorar.
A magia não está nas palavras de que fala. Está nos vazios, nos interstícios entre as palavras. No silêncio. No que não há. Aí se ouve uma outra voz, que não é a voz do poeta. Ouvem-se as duas vozes, a do poeta e a do vazio. E é do vazio que brota a melodia que não havia. E que, por não ser, faz o corpo chorar.
E contínua:
Foi tua voz
Encantamento
Que, sem querer,
Nesse momento
Vago acordou
Um ser qualquer
Alheio a nós
Que nos falou?
Que ser estranho é esse que nos fala nos silêncios musicais da voz do poeta? Talvez.
Livro: Um céu numa flor silvestre
Autor: Rubem Alves
Pg.132/133
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