sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

UMA MEDITAÇÃO SOBRE UM POEMA DE FERNANDO PESSOA
 
Uma última meditação, versos de um poema de Fernando Pessoa. Ele se dirige ao poeta, ou ao contador de estórias, que são a mesma coisa.

Cessa o teu canto!
Cessa, que, enquanto
O ouvi, ouvia
Uma outra voz
Como que vindo
Nos interstícios
Do brando encanto
Com que o teu canto
Vinha até nós.

Ouvi-te e ouvi-a
No mesmo tempo
E diferentes
Juntas a cantar.
E a melodia
Que não havia,
Se agora a lembro,
Faz-me chorar.

A magia não está nas palavras de que fala. Está nos vazios, nos interstícios entre as palavras. No silêncio. No que não há. Aí se ouve uma outra voz, que não é a voz do poeta. Ouvem-se as duas vozes, a do poeta e a do vazio. E é do vazio que brota a melodia que não havia. E que, por não ser, faz o corpo chorar.
E contínua:

Foi tua voz
Encantamento
Que, sem querer,
Nesse momento
Vago acordou
Um ser qualquer
Alheio a nós
Que nos falou?

Que ser estranho é esse que nos fala nos silêncios musicais da voz do poeta? Talvez.

Livro: Um céu numa flor silvestre
Autor: Rubem Alves
Pg.132/133

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