sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

História do Brasil
 
Entre os primeiros franceses que vieram ao Rio de Janeiro em companhia de Nicolau Villaganhon, de que tratamos no capítulo oitavo deste livro, vinha um herege calvinista chamado João Bouller, o qual fugiu para a capitania de S. Vicente, onde os portugueses o receberam cuidando ser católico, e como tal o admitiam em suas conversações, por ele ser também na sua eloqüente e universal na língua espanhola, latina, grega, e saber alguns princípios da hebréia, e versado em alguns lugares da Sagrada Escritura, com os quais, entendidos a seu modo, dourava as pirolas e encobria o veneno aos que o ouviam e viam morder algumas vezes na autoridade do Sumo Pontífice, no uso dos sacramentos, no valor das indulgências, e na veneração das imagens. Contudo não faltou quem o conhecesse (que ao lume da fé nada se esconde), e o foram denunciar ao bispo, o qual o condenou como seus erros mereciam e sua obstinação, que nunca quis retratar-se, pelo que o remeteu ao governador, o qual o mandou que, à vista dos outros que tinham cativos na última vitória, morresse a mãos de um algoz.
Achou-se ali para ajudá-lo a bem morrer o padre José de Anchieta, que já então era sacerdote, e o tinha ordenado o mesmo bispo D. Pedro Leitão e, posto que no princípio o achou rebelde, não permitiu a Divina Providência que se perdesse aquela ovelha fora do rebanho da Igreja, senão que o padre com suas eficazes razões, e principalmente com a eficácia da graça, o reduzisse a ela. Ficou o padre tão contente deste ganho, e, por conseguinte tão receoso de o tornar a perder que, vendo ser o algoz pouco destro em seu ofício e que se detinha em dar morte ao réu e com isso o angustiava e o punha em perigo de renegar a verdade que já tinha confessada, repreendeu o algoz e o industriou para que fizesse com presteza seu ofício, escolhendo antes pôr-se a si mesmo em perigo de incorrer-se aquela alma às penas eternas.
Casos são estes que desculpa a divina dispensação e a caridade que é sobre toda a lei, e, sem isto, mais são para admitir que para imitar.
  
Livro: História do Brasil - Pág. 131 -132
Autor: Frei Vicente do Salvador

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