“...e uma criança pequena os guiará.”
Ensinar é um ato de amor. Se as gerações mais velhas não transmitissem o seu conhecimento às gerações mais novas nós ainda estaríamos na condição dos homens pré-históricos. Ensinar é o processo pelo qual as gerações mais velha transmitem ás gerações mais novas, como herança, a caixa onde guardam seus mapas e ferramentas. Assim as crianças não precisam começar da estaca zero. Ensinam-se os saberes para poupar áqueles que não sabem o tempo e o cansaço do pensamento: saber para não pensar. Não preciso pensar para riscar um pau de fósforo.
A pedagogia do meu querido amigo Paulo Freire amaldiçoava aquilo que se denomina ensino “bancário” – os adultos vão “depositando” saberes na cabeça das crianças das crianças da mesma forma como depositamos dinheiro num banco. Mas me parece que é assim mesmo que acontece com os saberes fundamentais: os adultos simplesmente dizem como as coisas são, como as coisas são feitas. Sem razões e explicações. É assim que os adultos ensinam as crianças a andar, a falar, a dar laço no cordão do sapato, a tomar banho, a descascar laranja, a nadar, a assobiar, a andar de bicicleta, a riscar o fósforo. Tentar criar “consciência crítica” para essas é tolice. O adulto mostra como se faz. A criança faz do jeito como o adulo faz. Imita. Repete. Mesmo as pedagogias mais generosas, mais cheias de amor e ternura pelas crianças, trabalham sobre esses pressupostos. Se as crianças precisam ser conduzidas é porque elas não sabem o caminho. Quando tiverem aprendido os caminhos, andarão por conta própria. Serão adultos.
Todo mundo sabe as coisas são assim: as crianças nada sabem, quem sabe são os adultos. Seguem-se, então, logicamente, que as crianças são os alunos e os adultos são os professores. Diferença entre quem sabe e quem não sabe. Dizer o contrário é puro “non-sense”. Porque o contrário seria dizer que as crianças devem ensinar os adultos. Mas, nesse caso, as crianças teriam um saber que os adultos não têm. Se já tiveram, perderam... mas quem levaria sério tal hipótese?
Pois o Natal é essa absurda inversão pedagógica: os grandes aprendendo dos pequenos. Um profeta do Antigo Testamento – certamente sem entender o que escrevia – os profetas nunca sabem o que estão dizendo – resumui essa pedagogia invertida numa frase curta e maravilhosa:
“...e uma criança pequena os guiará” (Isaías. 11.6).
Se colocarmos esse moto ao pé da fotografia tudo fica ao contrário: é a criança que vai mostrando o caminho. O adulto vai sendo conduzido: olhos arregalados, bem abertos, vendo coisas que nunca viu. São as crianças que vêem as coisas – porque elas as vêem sempre pela primeira vez com espanto, com assombro de que elas sejam do jeito como são. Os adultos, de tanto vê-las, já não as vêem mais. As coisas – as mais maravilhosas – ficam banais. Ser adulto é ser cego.
Autor: Rubem Alves
Livro: Cultoarte celebrando a vida
Pg. 24-26