sexta-feira, 27 de julho de 2012

Reinventar-se

Urano gerava filhos e os devolvia ao útero da esposa Geia, para que eles não lhe tomassem o trono. Revoltada, Geia entregou uma foice ao filho Krónos, que amputa a genitália do pai, Urano. Krónos esposa a irmã Réia e gera filhos. Advertido de que os filhos o destronariam, Krónos engole-os à medida que nascem.

Krónos é semanticamente Khónos, o tempo. É imagem do tempo porque gera e engole os filhos, como o passado engoliu o presente e o presente vai engolindo o futuro. É o fluir, a sucessão cronológica, a passagem do tempo.

O tempo influi nos acontecimentos, mas o homem pode mais, Khrónos é o tempo, a duração. Ánthropos é agente criador. O homem trabalho o tempo e organiza o universo com inteligência. E faz história. A humanidade tende a hipervalorizar o tempo. Projeta suas aspirações no tempo. Espera que o tempo lhe traga a felicidade. Contudo, transferir ao tempo o que é produzido pela humanidade é alienação. E adiar o que se deveria fazer no presente é fuga.

O agente histórico é o homem, e não o tempo. Durante o mesmo período de tempo, pode haver grandes conquistas e grandes retrocessos, pode ser criada nova técnica para mutilar vidas. Na mesma época, coexistiram a terna Madre Teresa, de Calcutá, e o cruel Augusto Pinochet.

A questão fundamental não é perguntar o que o tempo nos trará. A questão vital é definir o que a humanidade irá construir. Se história de vida ou morte, se história de crescimento ou de ruína. Não basta assistir ao desfile do tempo. Há que agir ousadamente. Há que planejar e criar nova humanidade. Ricoeur diz que Goethe reescreveu o Prólogo de João, ao afirmar: “No princípio era a ação”. O filósofo Vattimo revela: “Minha existência leva-me a entrar ativamente na história”. E o teólogo Schillebeeckx lembra que Deus confiou ao ser humano a função de Abad, que, em hebraico, significa “cultiva”. Cultivar é prolongar a criação. É germinar nova história. É preencher carências.

A preocupação humana deve concentrar-se no Kairós. Kairós é decisão radical. É optar, assumir e realizar. Kairós é salto histórico. Rompe com o passado, estala estruturas, revolve consciências e muda vidas. A cronologia mede o curso do tempo, sem ponderar situações humanas e desumanas. A kairologia avalia a situação concreta em que se encontra a humanidade. E mostra as condições reais em que a humanidade. E mostra as condições reais em que a humanidade se realiza e as condições em que se desrealiza. O olhar de Kairós enxerga aqueles que transitam pelas amplas estradas. E enxerga também aqueles que estão encostados à beira das estradas. Kairós impacienta-se porque o tempo passa, e grande parte da humanidade continua “engolida” pelas crateras do sofrimento, da miséria e do desespero.

Importa buscar caminhos para nova gênese humana. É necessário ser Kairós, e não apenas Khónos. Ser ruptura e não apenas continuidade. A ilusão cronológica leva a pensar que mudança do tempo significa mudança de vida. Entretanto, verifica-se que o tempo corre e muda, mas os sistemas políticos e econômicos perversos permanecem imutáveis.

Não basta mudar o curso do tempo. Há que mudar a vida da humanidade aviltada. É urgente construir a história da justiça, em vez da história da desigualdade; construir a história da maioria silenciada, em vez da história da minoria falante. A história não está encerrada nem lacrada. E a sociedade brasileira há de acelerar o ritmo de gênese. E ter ousadia para reinventar-se.

Fonte: Livro: “Antropologia: ousar para reinventar a humanidade”/ Juvenal Arduini – páginas: 14-16.

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