segunda-feira, 18 de junho de 2012

Immanuel Kant, um divisor de águas


No campo da Filosofia

A Filosofia tem pelo menos dois pensadores reconhecidos como “Divisores de Água”: Sócrates e Kant. Enquanto o primeiro mudou o olhar empreendido pelos pensadores anteriores (por isso chamados de pré-socráticos), Kant traçou os limites do conhecimento humano, no período em que a crença na “Razão” propalava a idéia de que o homem tudo podia conhecer.

A Europa Iluminista

A Europa iluminista tem seus fundamentos bem definidos na Europa renascentista, do retorno à Antiguidade Clássica, da valorização do homem, em que o jargão socrático “conhece-te a ti mesmo” é retomado. Novamente Sócrates, e não por acaso, uma vez que, logo de início, foi estabelecida aqui uma relação entre ele e Kant, ao citá-los como dois grandes “divisores de água” na Filosofia. O iluminismo, ou Era das Luzes, como também ficou conhecido, desabrochou em uma Europa marcada por grandes transformações sociopolíticas, nas qual a França fora uma das protagonistas. Os pensadores iluministas franceses se autodenominavam “les philosophes”, muitos deles burgueses e boêmios, mas todos sem exceção, cidadãos da “república das letras”- espírito que se generalizou em clubes, cafés e salões literários. “Les philosophes tornam-se sinônimo de subversão e pornografia por defender e praticar a liberdade de pensamentos, de que resulta uma nova concepção do mundo e do homem” (ABRÃO, 2004). Dentre eles estavam Voltaire, Diderot, d’Alembert, Montesquieu, Rousseau e Condorcet.
 O iluminismo alemão não precisou de uma “revolução” como a “francesa”, no entanto, a futura Alemanha, que nada mais era, naquela época, que um aglomerado de Estados, que via sua língua sendo preterida ao latim ou ao francês, conseqüentemente não ficou incólume a uma revisão geral de valores, ambiente ideal para uma “crítica radical”, até mesmo da própria razão, que recebeu o nome de Aufklãrung. É nesse contexto que Kant, então, propõe que a razão “estabeleça um tribunal que, ao mesmo tempo que assegure suas legítimas aspirações, rechace todas as que sejam infundadas, e não o fazendo mediante arbitrariedades, mas segundo suas leis imutáveis”.
 O idealismo transcendental kantiano, como ficou conhecida a filosofia do pensador de Königsberg, não é de fácil compreensão, mas pode ser estudado em suas duas grandes obras: Crítica da Razão Pura (1781) e Crítica da Razão Prática(1788). Conta-se que Herz, depois de receber o manuscrito da Crítica das mãos do próprio Kant, o teria devolvido, sem lê-lo por completo, dizendo temer “ficar louco” se o fizesse – “Kant é a última pessoa do mundo que devemos ler sobre Kant” (DURANT, 2000). Essa dificuldade em lê-lo se deve a que, ao elaborar sua estratégia de ataque aos critérios do conhecimento, o filósofo, antevendo os ataques que também receberia de seus oponentes, decide, perspicazmente, que deveria “falar outra língua”, tecer suas idéias em um linguagem própria, de difícil compreensão vulgar. Assim, para combatê-lo, é necessário subir às suas alturas, onde seu contestador terá de escolher entre “respirar ou lutar” – “Aproximemo-nos dele por desvios e com cautela, começando a uma distância segura e respeitosa; [...] e depois avancemos tateando em direção áquele sutil centro em que o mais difícil dos filósofos guarda o seu segredo e o seu tesouro”.

Imperativo Categórico Kantiano

O imperativo categórico kantiano não se pretende uma “máxima ecumenicorreligiosa”, mas caberia muito bem em qualquer dos Evangelhos, sem destoar das pregações do Cristo – “Não julgueis, e não sereis julgados. Porque do mesmo modo que julgardes, sereis também vós julgados e, com a medida com que tiverdes medido, também vós sereis medidos” (Mateus, 7:1-2). Kant acreditava fielmente na capacidade do ser humano de dominar seus instintos mais perversos através da assunção de sua obra, deixar isso bem claro – “[...] a malignidade da natureza humana não deve, na verdade, ser chamada de maldade, se esta palavra for tomada em sentido rigoroso, isto é, como intenção (princípio subjetivo das máximas) de admitir o mal enquanto mal como motivo em sua máxima (pois isso seria uma intenção diabólica), mas, antes, perversão do coração, o qual segundo a conseqüência, é designado então igualmente de má vontade. Esta não é incompatível com uma vontade em geral boa: provém da fragilidade da natureza humana [...]”. Se isso por si só não bastar para fundamentar o argumento que acabo de levantar, que tal, então: “Toda má ação, quando procuramos sua origem, deve ser considerada como se o homem tivesse chegado a isso diretamente do estado de inocência”? Com isso ele pretendia dizer: “Se estivesse em pleno usufruto de sua autonomia, de sua liberdade e de sua racionalidade, jamais cometeria um ato infame, ainda que forças volitivas em seu espírito tentassem movê-lo a tal!”. Alguns comentadores do filósofo e de sua “máxima moral” perceberam também a proximidade que há entre ela e o ideal religioso: “Vivamos de acordo com este principio, em breve iremos criar uma comunidade ideal de seres racionais; para criá-la, precisamos apenas agir como se já pertencêssemos a ela; [...] só assim poderemos deixar de ser animais e começar a ser deuses” (DURANT, 2000).
 Sim! O idealismo kantiano, visto por nós, homens do século 21, que sabemos perfeitamente que aquelas luzes do século 18 não foram capazes de iluminar suficientemente as mentes e os corações dos homens, de modo a evitar duas Grandes Guerras, no século 20, e toda uma série de outras pequenas e grandes calamidades perpetradas pela malignidade humana, sim! O idealismo kantiano pode ser chamado de utópico. Mas não esqueçamos que “utopia” não significa apenas o lugar impossível, irreal. Ela também é o “lugar dos sonhos”, e por que, então, não poderia ser também “o lugar dos nossos objetivos?

Autora: Jaya Hari Das
Revista de Filosofia n°36

Um comentário:

  1. Caro Sr. Motta, muito obrigado por transcrever parte do meu artigo em seu blog. Gostaria de fazer apenas uma correção bastante pertinente: sou o autor e não a autora do texto. Ficaria agradecido por sua correção nesta página. Um abraço fraterno!

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