A Autoridade de Jesus
(1,21-39)
Depois de confessar sua fé em Jesus Messias e Filho de Deus, o evangelista Marcos passa agora a mostrar por que Jesus é o verdadeiro Messias e o Filho de Deus. Tendo como certo que o nosso Deus é o Deus da vida e não da morte, a prática de Jesus descrita nesse Evangelho revela o ressurgimento da vida no meio daqueles que consideram impossível obtê-la através dos canais religiosos, políticos, sociais e econômicos oficiais. Em Jesus está presente o Deus que resgata a vida em todas as suas dimensões.
Jesus vence a alienação (1,21-28)
Podemos até achar estranho o fato de que o Evangelho de Marcos fale continuamente de espíritos maus, demônios, espíritos impuros, Satanás. Eles estão presentes em toda parte, e a prática de Jesus inicia no encontro com um homem “possuído por um espírito mau”. Notemos que a prática da Jesus é, antes de tudo, arrancar as pessoas do poder desses demônios, que realizam ações exatamente contrárias àquelas de Jesus.
Qual é a ação do espírito mau neste trecho? Possuir o homem e falar através dele. Isto é: não o deixa agir livremente; toma-o por inteiro, fazendo com que não pense nem aja por si mesmo. É o espírito mau quem diz o que quer através do homem. Em outras palavras, o espírito mau aliena o homem, não permitindo que seja livre e consciente de seus atos.
O espírito mau diz: “Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir? Eu sei quem tu és o Santo de Deus!” (1,24). Ele fala no plural: “Que queres de nós?” Significa que as “forças ocultas” alienadoras estão unidas mas, ao mesmo tempo, percebem que o “mais forte” está presente, e sentem as bases tremerem: “Vieste para nos destruir?”
Em seguida, porém, o espírito mau faz uma afirmação que parece surpreendente: “Eu sei quem tu és: tu és o Santo de Deus!” Não se trata de uma confissão de fé, mas tentativa de manipulação pois, na época, conhecer e nomear identidade de alguém podia significar uma forma de conseguir o domínio sobre essa pessoa. O espírito mau procura manter a situação sob seu controle. É como falar que acreditamos em Deus e em Jesus só para podermos fazer o que bem entendemos. Jesus, porém, é “mais forte” e não se deixa dominar; ao contrário, o subjuga totalmente. O espírito mau tem que ficar calado e sair do homem que tinha possuído (1,25-26).
A reação do povo é expressa por dois sentimentos. No primeiro momento, o sentimento é de admiração: “As pessoas ficavam admiradas com o seu ensinamento, porque Jesus ensinava como quem tem autoridade, e não como os doutores da Lei” (1,22). Depois, tal admiração se transforma em espanto: “Todos ficaram muito espantados e perguntavam uns aos outros: ‘O que é isso? Um ensinamento, dado com autoridade. Ele manda nos espíritos maus e eles obedecem?’ ” (1,27). A reação da multidão é motivada pelo ensinamento de Jesus: é novo e dado com autoridade. Marcos não diz qual é o ensinamento, mas narra a expulsão do espírito mau. Aí estão a novidade e a autoridade: a prática concreta de libertação, fazendo o homem adquirir consciência e liberdade de falar por si mesmo. Então, por que o povo fica espantado? Por causa do novo, isto é, a ordem de coisas que pareciam intocáveis pode ser mudada e, por isso, há uma desestabilização libertadora, mas que de início espanta.
Existe ainda um detalhe importante: no v.22,Marcos diz que Jesus não ensinava como os doutores da Lei, ou seja, o ensinamento de Jesus não é apenas palavras que procuram preservar uma ordem estabelecida, mas é uma prática que desestabiliza essa mesma ordem. A autoridade de Jesus põe em xeque a autoridade dos doutores da Lei. Visto que a cura foi realizada no sábado (v.21), a tensão cresce, pois os doutores da Lei diziam que era proibido curar no sábado. A lei Jesus é outra (ef. 2,27).
A fama de Jesus se espalhando pela Galileia se torna uma tentação que ele irá rejeitar (cf. 1,35-39).
Libertar para servir (1,29-34)
Saindo da sinagoga e seguindo Jesus com os quatro discípulos, entramos na casa de Simão. A sogra dele está com febre. Para os antigos, a febre era de origem demoníaca. Jesus a ajuda a se levantar, e a febre a deixa: ela é libertada do mal que a impedia de servir. Jesus faz as pessoas se levantar, e assim elas podem se colocar a serviço dos outros.
Marcos aproveita a casa de Simão para fazer um resumo da atividade de Jesus: cura doenças e expulsa demônios, tirando as amarras que, de algum modo, impedem as pessoas de agir por si próprias.
Os demônios até que são bons teólogos: “sabiam quem era Jesus”, mas a prática deles é diferente, pois alienam e oprimem.
A primeira tentação (1,35-39)
Jesus agora está rezando num lugar deserto (v.35). já sabemos que o deserto é rico em significados no Evangelho de Marcos. É, primeiramente, um lugar de encontro com Deus. Jesus está aí rezando, isto é, comunicando-se com o Pai, que é a fonte do projeto que ele deve realizar. Orar, portanto, é comunicar-se com Deus, para podermos distinguir qual é sua vontade e o que devemos fazer para ser coerentes com ela. O deserto é também lugar de tentação. Embora pareça estranho, são os discípulos que provocam a tentação: “Todos estão te procurando” (v.37). Na primeira intervenção dos discípulos (até agora eles não tinham dito nada) está contida a idéia mesquinha de ser famoso, dando asas à vaidade pessoal, em vez de estar disponível ao projeto de Deus. Jesus rejeita proposta dos discípulos, pois não é sua fama que importa, mas o projeto do Pai que ele veio realizar: o anuncio do Reino em todos os lugares: “foi para isso que eu vim” (v.38). o anúncio é sempre acompanhado da prática: “expulsando demônios” (v.39).
Na oração do Pai Nosso, Jesus nos ensina a dizer ao Pai, não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal.
O Pai-nosso, uma gama de projetos utópicos
O Pai-nosso não é senão a sinalização de alguns itinerários que conduzem ao lugar da utopia. Trata-se de alguns pontos programáticos, em cujo desenvolvimento deve estar implicada a atividade humana, pois o Senhor não quis que a utopia viesse por si só, como um meteorito caído do céu, ou como produto da evolução histórica, mas que viesse como resultado da graça e do poder de Deus e da colaboração dos homens. Um cristão deve assumir o compromisso de lutar pela utopia, pois isso é o Pai-nosso: sete petições utópicas.
Autor: Euclides Martins Balancin
Livro: Como ler O Evangelho de Marcos
Quem é Jesus?
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