O Deus menino
Bom é ler a poesia do Manoel de Barros. Manoel de Barros é uma criança. Quem lê que ele escreve vira criança. Ele brinca com as palavras. “O que eu queria era fazer brinquedos com as palavras. Fazer coisas desúteis. Eu queria avançar para o começo. Chegar ao acriançamento das palavras.”
Em busca do lugar de onde se partiu... A poesia do Manoel de Barros anda para trás, para longe da loucura do mundo adulto. Para isso ele não mede palavras: “Preciso de atrapalhar as significâncias. O despropósito é mais saudável que o solene. Para limpar as palavras de alguma solenidade – uso bosta. Nasci para administrar-o à-toa, o em vão, o inútil. Prefiro as máquinas que servem para não funcionar: quando cheias de areia, de formiga e musgo – elas podem um dia milagrar de flores. Também as latrinas desprezadas que servem para ter grilos dentro – elas podem um dia milagrar violetas. Senhor, eu tenho orgulho do imprestável.”
Um homem como esse é um perigo em qualquer reunião de adultos sérios e responsáveis.
Bernardo Soares, uma das entidades-Fernando Pessoa, é explícito: os adultos são burros, as crianças inteligentes. “Sim, julgo às vezes, considerando a diferença bedionda entre a inteligência das crianças e a estupidez dos adultos, que somos acompanhados na infância por um espírito da guarda, que nos empresta a própria inteligência astral, e que depois, talvez com pena, mas por uma lei alta, nos abandona, como as mães animais ás crias crescidas, ao cevado que é o nosso destino.”
Discordo só num ponto: a inteligência astral não nos abandona por ser incompatível com a adultice. A inteligência adulta é grave. Faz afundar.
A inteligência infantil é leve. Faz levitar.
Ricardo Reis – outra entidade – Fernando Pessoa – num poema-sabedoria diz que o segredo é nos tornarmos discípulos das crianças.
“Mestre, são plácidas todas as horas que nós perdemos/ Se no perdê-las, qual numa jarra, nós pomos flores./ Não há tristezas nem alegrias na nossa vida. Assim saibamos,/ Sábios incautos, não a viver mas decorrê-la, tranqüilos, plácidos, / Tendo as crianças por nossas mestras e os olhos cheios de Natureza.”
Autor: Rubem Alves
Livro: Cultoarte celebrando a vida
Pg. 53/54
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