quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Compaixão e solidariedade

“Dai-me um coração compassivo”, a súplica contida neste trecho de uma oração católica resume bem um dos maiores ensinamentos do cristianismo: o valor da compaixão, esse sentimento que, apesar do consumismo que cada vez mais caracteriza o Natal, ainda costumar aflorar entre as pessoas com um pouco mais de intensidade nesta época do ano. Um cristão deve procurar guiar sua vida como o bom samaritano da parábola, compadecendo-se do sofrimento alheio e esforçando-se em mitigar as dores e privações dos seus semelhantes.
A compaixão, no entanto, tem uma particularidade, como observa a filósofa francesa Myriam Revault D’Allonnes. Um sentimento genuíno de compaixão representa ser tomado por uma sensibilidade para com os padecimentos alheios de tal monta que é como eles se nos atingissem em nossa própria carne. É uma espécie de co-sofrimento, indicando uma relação de reciprocidade. Por essa característica, a compaixão só pode ser dirigida a indivíduos no singular e apenas se exerce em situações específicas – não se sente compaixão pelas massas anônimas, sem rosto. Estas costumam despertar o que chamamos de piedade.
Experimentar um impulso de piedade representa nos entristecer momentaneamente com os sofrimentos dos outros, sem ser de fato atingido por eles. A compaixão requer cumplicidade, aproximação; a piedade implica alguma distância. A primeira coloca as pessoas no mesmo plano, como iguais; a segunda envolve um certo sentimento de superioridade. Porque não significa um compromisso real – e, no fundo, acaba por escamotear uma sensação de alívio por não sermos também vítimas das tragédias que presenciamos -, a piedade pode ser estendida a todos os sofredores deste mundo. Sem dúvida, era piedoso aquele personagem de Dostoievski que dizia amar a humanidade inteira, embora fosse incapaz de gostar realmente de um só individuo em particular.
Um outro essencial, segundo Myriam D’Allonnes, também distingue a piedade da compaixão: ao passo que a compaixão é praticamente “muda”, uma vez que se revela muito mais nos gestos, a piedade adora a eloqüência. Não é à toa que posar de piedoso é um dos esportes preferidos dos políticos demagogos, em seus discursos inflamados.
Nietzsche, na crítica que fez dos valores do Ocidente, demonstra seu repúdio à piedade pelo fato de ela precisar dos “débeis” e se alimentar do sofrimento. Se a compaixão, para crentes e ateus, é um sentimento nobre a ser cultivado, mas se limita à esfera privada, a demanda, no espaço público, não são por políticas de piedade, que acabam perpetuando a miséria porque necessitam dela para existir, mas por ações solidárias. A solidariedade, diferente da piedade, não tem interesse em manter bolsões de desafortunados para se manifestar – o que ela estabelece é um laço entre cidadãos, conscientes de que partilham um mundo comum e que juntos devem combater toda sorte de opressão e exploração.

Rosângela Chaves

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