quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Sobre o Prazer


A tradição cristã tem medo do prazer. Prazer é artifício do Diabo. Tanto assim que, para agradar a Deus, os fiéis se apressam oferecer-lhe sofrimentos e renúncias, certos de que é o sofrimento dos homens que lhe causa prazer. Não tenho conhecimento de alguém que, a fim de agradar a Deus, lhe tenha feito promessas de ouvir Mozart ou fazer amor. Horrorizam-se, portanto, com o prazer que aparece ligado às funções sexuais, o que faz com que os órgãos sexuais sejam usados como brinquedos prazerosos, sem nenhuma intenção reprodutora. Tratam de denunciá-lo, assim, como perigoso lugar de tentação e perdição, e chegam a afirmar que o pecado original foi uma relação sexual. Não lhes passa pela cabeça que, se Deus não desejava que houvesse sexo, não nos teria feito macho e fêmea, e nem teria colocado tanto prazer nas funções sexuais. Afirmam que o objetivo dos órgãos sexuais é a reprodução. Manipulações e usos prazerosos dos órgãos sexuais, separados da função reprodutora, são assim definidos por essa moral religiosa como pecaminosa. Argumentam que a função do tubo de PVC é levar a água de um lugar para outro, não devendo ser usado para apanhar jabuticabas doces...
A inteligência é uma ferramenta de inventar ferramentas. Com a inteligência invento uma máquina de fazer pregos. Pregos são ferramentas usadas para fixar peças de madeira. A inteligência é capaz de inventar ferramentas até mesmo com coisas que não existem. Por exemplo, a matemática é uma ferramenta feita com coisas que não existem: símbolos. Símbolos são ferramentas. Coisas que não existem têm mais poder que as coisas que existem. Graças à matemática, os astronautas chegaram à Lua.
A inteligência é uma das ferramentas, a mais poderosa de todas, que se encontra nessa imensa oficina chamada Feira das Utilidades. Relembro as palavras de Zaratustra: “O corpo é uma grande razão... E um instrumento do seu corpo é também a sua pequena razão, meu irmão, a que chamas pelo nome de ‘espírito’ – um pequeno instrumento e um brinquedo da sua grande razão”.
As ferramentas não são construídas com o objetivo de dar prazer. O tubo de PVC, em si mesmo, não me dá prazer algum. Nem a escala. Nem o martelo. Nem uma panela.

Autor: Rubem Alves
Livro: Variações sobre o prazer
Pg.96/97

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