Amor de Velhice

Ela era professora e tinha quase vinte anos quando se apaixonou por ele.
Ele era simpático, bonitão, estudioso e tímido. Ela era bela, delicada e discreta. Na década de 1930, as mulheres deviam saber esperar. Se a mulher desse o primeiro passo na direção do homem, ela seria mal falada.
Passaram-se dez anos sem que se tornassem amigos. Só se viam de longe e só trocavam as palavras essenciais. Ele não se casou. E nem ela.
Um dia, repentinamente, ela precisou partir para São Paulo. Sua irmã mais velha havia falecido e deixado três filhos ainda pequenos para criar.
Seu cunhado era um homem atraente, de olhos profundos e poucas palavras. Desnorteado, não sabia o que fazer da vida. Cuidado vai, cuidado vem, ela se afeiçoou pelas crianças e por aquele homem endurecido, que sorria pouco e lindo. Aconteceu o inevitável. Ele perguntou se ela queria casar-se com ele... Ela contou a verdade: que sentia um amor sem futuro por outro homem, mas que, se ele a aceitasse mesmo assim, ela se casaria com ele.Ele aceitou. Casaram-se, tiveram outros filhos e viveram relativamente bem.
Depois de muitos anos e alguns netos, um dia ela recebeu um telefonema surpreendente. Era a irmã do então jovem médico que a estava avisando que ele tinha se mudado para São Paulo. Velho e doente, queria vê-la. Com as mãos trêmulas, anotou o endereço e com o coração agitado procurou seu marido e contou o que estava acontecendo.
Para sua surpresa, o marido imediatamente se levantou, vestiu o paletó e disse: Vamos!
Seguiram para o hospital. O marido a deixou na porta do quarto, avisando-a que a esperava no saguão.
Tiveram então, os dois, a primeira longa conversa de suas vidas. Ele confessou que a havia amado a vida inteira e que só a proximidade da morte lhe dera a coragem de se aproximar.
Não se sabe o que se passou nem o que sentiram quando se viram velhos e amados um pelo outro – certamente seguraram-se as mãos – a vida inteira. Os apaixonados de vida inteira voltaram a se ver e foram se vendo até que o médico morreu, algumas semanas mais tarde, sorrindo por se sentir amado. A beleza das flores que florescem no inverno está no seu perfume e na sua delicadeza. Mas é uma beleza triste que floresce e perfuma durante a noite e está morta pela manhã.
Autor: Rubem Alves
Livro: Pimentas
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