terça-feira, 31 de julho de 2012

Madrugada Camponesa

Madrugada camponesa,
Faz escuro ainda no chão,
Mas é preciso plantar.
A noite já foi mais noite,
A manhã já vai chegar.

Não vale mais a canção
Feia de medo e arremedo
Para enganar solidão.
Agora vale a verdade
Cantada simples e sempre,
Agora vale a alegria
Que se constrói dia-a-dia
Feita de canto e de pão.

Breve há de ser (sinto no ar)
Tempo de trigo maduro.
Vai ser tempo de ceifar
Já se levantam prodígios,
Chuva azul no milharal,
estala em flor o feijão,
um leite novo minando
no meu longo seringal.

Autor: Thiago de Mello
Livro: Faz Escuro mas eu canto

Globalizar a dignidade humana


A atual globalização neoliberal, predominantemente econômica, impõe à humanidade padronização rígida, que favorece os interesses de minorias poderosas e estrangula as necessidades das maiorias empobrecidas. Mas pode haver “globalização” que beneficie a humanidade em seu todo.
O lingüista crítico norte-americano Noam Chomsky, professor no Massachusetts Institute of Technology, define a globalização vigente como “mercantilismo das corporações”, onde decisões sobre relações sociais, econômicas e políticas são, cada vez mais, centradas em instituições privadas, sem nenhum mecanismo de controle social. Não pode entregar o destino da humanidade ao “mercantilismo das corporações”, que reduz seres humanos a mercadorias. Importa contestar e afastar resolutamente a globalização que arruína milhões de vidas humanas.
Com razão, Robrt Kurz sugere: “O que nos falta é a globalização de nova crítica social”. Pois a globalização integral deve abranger a humanidade toda, em seu volume demográfico, na diversidade de raças, culturas, políticas, economias e religiões. A verdadeira globalização defende e projeta a vida, a liberdade, a nacionalidade, a autonomia, as aspirações, os direitos fundamentais, a participação e a dignidade de todos os povos. Ninguém tem o direito de dominar ou excluir patê da humanidade para salvaguardar sistema comprovadamente desumano.
A genuína globalização garante espaço ao pensar alternativo e abre caminhos para soluções originais e até divergentes. A consciência da humanidade exige globalização pluralista que inclui pessoas, raças e nações diferenciadas, mas sem hostilidade. A globalização criadora dos povos, sem sectarismo. E sabe reconhecer o valor humano e o pensamento especulativo no cientista e no “selvagem”, como o demonstra Claude Lévi-Strauss. A globalização autêntica é heterogênea e não se filia ao “pensamento único”. Associa unidade com diversidade. E mobiliza a interação entre “igualdade e diferença”, como diz Arjun Appadurai. Referindo-se à globalização diagonal, o dramaturgo Augusto Boal fala em “nova realidade onde se busca unificar a humanidade, mas não uniformizar os seres humanos”. Esse é o rumo.

Livro: Antropologia
Autor: Juvenal arduini
Pg. 151-152

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Um dragão entre nós

Os contatos entre Brasil e China aumentaram muito recentemente, mas a relação entre os dois países não é nova. Começou há 200 anos, quando D. João VI trouxe um grupo de imigrantes orientais para plantar chá no Rio de Janeiro.

Mirante e forma de pagode oriental feito de troncos semelhantes ao bambu, a Vista Chinesa é um dos mais famosos pontos turísticos do Rio de Janeiro. O que pouca gente sabe, no entanto, é que esse pitoresco monumento é o símbolo de um dos capítulos menos conhecidos da história da imigração no Brasil.
Em seu livro Minhas memórias dos outros, de 1936, o escritor Rodrigo Octavio (1866-1944), um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, conta que o lugar onde o mirante foi construído era conhecido, a princípio, como “Rancho dos China”. O nome faz referência a um grupo de imigrantes chineses trazidos ao Brasil no início do século XIX por iniciativa de D. João VI para plantar chá na região. O projeto não prosperou,mas marcou, mas marcou o início da presença chinesa no Brasil, que este ano completa 200 anos. 
Os imigrantes orientais chegaram por volta de 1812 para trabalhar em plantações de chá na Fazenda de Santa Cruz, situada na ilha do Governador, e no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, localizado no pé da montanha onde fica a Floresta da Tijuca. Os agricultores que começaram a cultivar o produto nessa segunda área se instalaram nas encostas da mata onde estão os fundos do Jardim Botânico. Esse é a origem do “Rancho dos China” ao qual se refere Rodrigo Octavio.
Calcula-se que nessa primeira leva foram trazidas entre 200 a 500 pessoas, mas não há registro de entrada desses imigrantes no Brasil, possivelmente por se tratar de simples coolies, trabalhadores indianos ou chineses do período neocolonial, sem escolaridade ou qualificações, que executavam as tarefas mais árduas e recebiam salários baixíssimos, como observa o jornalista e crítico de arte José Roberto Teixeira Leite em seu livro A China no Brasil, de 1999.
Segundo Teixeira Leite, o primeiro registro de entrada de estrangeiros chineses no Brasil data de 10 de setembro de 1814. de acordo com o historiador José Honório Rodrigues (1913-1987), tratava-se de “quatro chins educados, segundo se depreende da grafia”. Eles se chamavam Liang Chou, Ming Huang, Chian Chou e Tsai Huang e foram morar na casa do conde da Barca, então ministro dos Negócios de Guerra e Estrangeiros, o que “faz supor que tivessem alguma missão oficial, talvez a de iniciarem as plantações de chá, afirma Rodrigues.

Autor: Antonio José Bezerra de Menezes Jr.
Revista:História Viva Ano IX N° 106 pg. 66-67


Utopia O grande sonho da modernidade

Quatro anos antes da publicação da Utopia, Nicolau Maquiavel (1469-1527) havia escrito o seu O príncipe, livro no qual se perguntava se seria possível a um governante mudar os costumes de uma sociedade por meio de leis novas que pretendessem alterar esses hábitos. É exatamente essa questão que está posta em forma de diálogo entre Rafael Hitlodeu e o personagem que representa More no livro.
Para o autor inglês, a melhor forma de promover mudanças na sociedade seria por meio da educação, que, aos poucos, eliminaria, ou pelo menos minimizaria, o que estava errado. Para Rafael, esse método seria extremamente lento e incerto, de maneira que o melhor seria elaborar decretos, mesmo que difíceis e detestáveis, capazes de provocar mudanças efetivas no comportamento social.
Trata-se de uma questão plenamente atual: pode a lei modificar os costumes de forma efetiva? Um indivíduo que pratique um ato apenas pela força coativa da lei ou pelo medo da punição, será, de fato, um cidadão?
Para More, na sua Utopia, parece claro que a resposta é não. Na sua opinião, o convenienter seria proceder como os utopianos, ensinando às crianças desde cedo o que são e como se praticam as virtudes cidadãs. Então, à medida que essas virtudes fossem incorporadas à vida social, se tornariam leis.
O Estado moderno, assim como o experimentado viajante Rafael, não aceitou esse demorado e inseguro método de mudança social. A utopia moderna- não a de More – deve ser implementada o quanto antes e pela força coativa da lei. Bastaria que um grupo de letrados ou de legisladores percebesse o que seria certo para que isso fosse legislado e todos os cidadãos passassem a ser obrigados a cumprir a lei. Esse sonho é um dos pilares sobre os quais se assenta o Estado moderno. Se assim for feito, acredita-se, as leis conduzirão, cedo ou tarde, a uma sociedade livre, justa, pacífica e feliz.
Eis a Utopia moderna.
More, no entanto, acreditava que esse não era o caminho, pelo simples fato de que a virtude não pode ser normatizada. O exercício do certo e do conveniente só seria possível por meio de atos virtuosos e voluntários.
Na verdade, a Utopia de More coloca-nos diante de um dilema muito atual: segurança ou insegurança. O homem moderno optou pela segurança e, por isso, acredita no império da lei. Thomas More acreditava na insegurança e, por isso, defendia a necessidade da educação para as virtudes públicas e privadas.
Talvez prefiramos a segurança da lei, mas convém não esquecer de Guimarães Rosa, para quem “viver – não é? – é muito perigoso. Por que ainda não se sabe. Porque aprender a viver é que é o viver mesmo.

Autor: Rafael Ruiz
Revista:História Viva Ano IX N° 106 pg.77

Casa Velha

Ó! Casa velha e pobre! Ó casa antiga,
Abandonada, lúgubre e sombria
Onde nem entra a luz vaga e erradia
De uma alvorada de afeição amiga!

Ó! Casa velha que a pensar me obriga
Na primeira jornada do meu dia,
A tua alma que sinto erma e vazia
Neste presente, o meu passado abriga.

Pelos teus quartos, pelas salas pobres
Estendes a cortina envelhecida
Da lembrança com que a saudade cobres.

E, muda, triste, plena de ansiedade,
vazia como estás de toda vida,
enches-me a vida toda de saudade.

Livro:Rimas Antigas
Autor: Nunes Bettencourt

Nunca é Tarde

O coração não envelhece... Espera
o amor que um dia há de chegar na vida,
como a terra que aguarda a primavera,
embora às vezes nua e ressequida.

Nunca é tarde demais, minha querida,
quando se ama e não se desespera:
às vezes na montanha, na subida,
a água se encontra que a alma refrigera.

O coração, meu bem, não envelhece:
nasce e renasce como a eternidade,
é como um Deus à espera de uma prece.

Assim, se o coração amor reclama,
dá-lhe esse amor, que amor não tem idade,
nunca é tarde demais para quem ama.

Livro:Rimas Antigas
Autor: Nunes Bettencourt

sábado, 28 de julho de 2012

Vou-me Embora pra Pasárgada


Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive


E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada


Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar


E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.


Autor: Manuel Bandeira

Texto extraído do livro: O Melhor da Poesia Brasileira. Editora José Olympio, 8ª Edição - pág. 108-109.

As Pombas





Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
Das pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguinea e fresca a madrugada.

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais, de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam
Os sonhos, um a um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais.

Autor: Raimundo Correia

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Reinventar-se

Urano gerava filhos e os devolvia ao útero da esposa Geia, para que eles não lhe tomassem o trono. Revoltada, Geia entregou uma foice ao filho Krónos, que amputa a genitália do pai, Urano. Krónos esposa a irmã Réia e gera filhos. Advertido de que os filhos o destronariam, Krónos engole-os à medida que nascem.

Krónos é semanticamente Khónos, o tempo. É imagem do tempo porque gera e engole os filhos, como o passado engoliu o presente e o presente vai engolindo o futuro. É o fluir, a sucessão cronológica, a passagem do tempo.

O tempo influi nos acontecimentos, mas o homem pode mais, Khrónos é o tempo, a duração. Ánthropos é agente criador. O homem trabalho o tempo e organiza o universo com inteligência. E faz história. A humanidade tende a hipervalorizar o tempo. Projeta suas aspirações no tempo. Espera que o tempo lhe traga a felicidade. Contudo, transferir ao tempo o que é produzido pela humanidade é alienação. E adiar o que se deveria fazer no presente é fuga.

O agente histórico é o homem, e não o tempo. Durante o mesmo período de tempo, pode haver grandes conquistas e grandes retrocessos, pode ser criada nova técnica para mutilar vidas. Na mesma época, coexistiram a terna Madre Teresa, de Calcutá, e o cruel Augusto Pinochet.

A questão fundamental não é perguntar o que o tempo nos trará. A questão vital é definir o que a humanidade irá construir. Se história de vida ou morte, se história de crescimento ou de ruína. Não basta assistir ao desfile do tempo. Há que agir ousadamente. Há que planejar e criar nova humanidade. Ricoeur diz que Goethe reescreveu o Prólogo de João, ao afirmar: “No princípio era a ação”. O filósofo Vattimo revela: “Minha existência leva-me a entrar ativamente na história”. E o teólogo Schillebeeckx lembra que Deus confiou ao ser humano a função de Abad, que, em hebraico, significa “cultiva”. Cultivar é prolongar a criação. É germinar nova história. É preencher carências.

A preocupação humana deve concentrar-se no Kairós. Kairós é decisão radical. É optar, assumir e realizar. Kairós é salto histórico. Rompe com o passado, estala estruturas, revolve consciências e muda vidas. A cronologia mede o curso do tempo, sem ponderar situações humanas e desumanas. A kairologia avalia a situação concreta em que se encontra a humanidade. E mostra as condições reais em que a humanidade. E mostra as condições reais em que a humanidade se realiza e as condições em que se desrealiza. O olhar de Kairós enxerga aqueles que transitam pelas amplas estradas. E enxerga também aqueles que estão encostados à beira das estradas. Kairós impacienta-se porque o tempo passa, e grande parte da humanidade continua “engolida” pelas crateras do sofrimento, da miséria e do desespero.

Importa buscar caminhos para nova gênese humana. É necessário ser Kairós, e não apenas Khónos. Ser ruptura e não apenas continuidade. A ilusão cronológica leva a pensar que mudança do tempo significa mudança de vida. Entretanto, verifica-se que o tempo corre e muda, mas os sistemas políticos e econômicos perversos permanecem imutáveis.

Não basta mudar o curso do tempo. Há que mudar a vida da humanidade aviltada. É urgente construir a história da justiça, em vez da história da desigualdade; construir a história da maioria silenciada, em vez da história da minoria falante. A história não está encerrada nem lacrada. E a sociedade brasileira há de acelerar o ritmo de gênese. E ter ousadia para reinventar-se.

Fonte: Livro: “Antropologia: ousar para reinventar a humanidade”/ Juvenal Arduini – páginas: 14-16.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Contágio Tanatólogico


Tânatos é tido como deus da morte. É filho de Nix, a noite. Sísifo conseguiu algemar Tânatos. E, durante certo período, a morte cessou de devastar a vida da humanidade. Entretanto, Zeus decidiu libertar Tânatos, que, desalgemado, eliminou Sísifo. E, então, Tânatos voltou a espalhar as forças mortíferas pelo mundo.
Tânatos distribui a morte “natural” provocada pela velhice, por doenças e acidentes meteorológicos. Nessa área, Tânatos mantém-se moderado porque os avanços científicos estão favorecendo a vida humana. Mas, em outras áreas, Tânatos demonstra fôlego e apetite, e age com fúria. Não lhe basta repartir o “morrer” lentamente. Tem pressa. Mata com voracidade. Tânatos atiça chacinas e extermina multidões barbaramente. E a eficiência tanatológica está crescendo disparadamente.
Matar tornou-se prática rotineira. Programam-se chacinas. Mata-se com frieza, cinicamente. Executam-se existências de forma mano é festa. O código manda matar com arrogância, para ostentar poderio, exibir valentia e arrotar impunidade. Matadores profissionais, bandidos sofisticados e, até, detentores de cargos públicos assassinam e esbanjam orgasmo tanatológico. Babam de prazer mórbido. Usufruem felicidade de monstros. Amedrontam e silenciam testemunhas. O império de Tânatos desafia a sobrevivência da humanidade.
Há contágio tanatológico. Tânatos oferece a pedagogia do homicídio. Propaga a mentalidade assassina e ensina a matar. Difunde-se a crença de que matar é coisa banal, é “normal”. As pessoas são contaminadas pela ferocidade destrutiva. Introduz-se a cultura do assassinato. E não falta o culto ao exterminador, ao ditador sanguinário.
Um fenômeno deve preocupar a quem não perdeu o sentido de humanidade. Tânatos mata com a violência das armas. E mata também com a violência da servidão, do desemprego, do salário insuficiente, da desnutrição, da doença e do pânico. E pode acontecer que o contágio tanalógico consiga encharcar os brasileiros de ódio e crueldade. E aí será uma tragédia. É oportuno lembrar que Tânatos tem coração de ferro e entranhas de bronze. É impiedoso. A contaminação tanalógica pode metalizar a consciência dos brasileiros e despojá-los do senso de humanidade. Seríamos povo sem alma, sociedade barbarizada. A rápida propagação de práticas cruéis já constitui sintoma alarmante.
Perante o cenário tanalógico, alguns se sentem assustados e revoltados. Outros permanecem perplexos e entorpecidos. Hipno era o “sono” que adormecia as pessoas. Hipno tem o poder de hipnotizar, anestesiar a sociedade. Curioso é que Hipno adormece os clientes e Tânatos mata-os. A sociedade que se mostra insensível em relação a tantos assassinatos parece sonolenta, hipnotizada. Bernard Durel diz que “o mal muito propagado hoje é a apatia”.
É hora de despertar para atalhar o surto tanatológico que ensanguenta casas, ruas, praças, bairros e famílias. E reconhecer que o país tem problemas graves e crônicos que exigem soluções radicais. é imprescindível descobrir e extirpar as causas que desencadeiam o extermínio de tantos seres humanos. É urgente ativar a paixão biofílica, que fomenta o amor à vida, para sustar a demolição tanatológica.

Livro: Antropologia
Autor: Juvenal arduini


A varanda de meu apartamento

Meu apartamento tem um jardim.
O jardim é lugar que me encanta
e me atrai para ver, contemplar, pensar.
Penso como Epicuro. A vida dos sábio deve
decorrer num jardim onde encontre
tranqüilidade e paz. Mas ainda onde, possa
encontrar e conversar com amigos, num ambiente
onde a natureza seja parte integrante de todos
os assuntos que instruem as pessoas
com a sua vida.
Assim decorre também a minha vida.

A rua abaixo chama-se Alameda da rosas.
Eu tenho na varanda cinquenta roseiras
a cada rosa nascida eu me encanto e me comovo,
beleza, perfume, cor, pétalas que desabrocham.
É uma história de vida e encantamento.
Mas cultivo também cinquenta orquídeas
estas perfumam o ambiente, na simplicidade
de sua beleza, fazem-me pensar e sonhar
na presença de Deus quando passeava para
visitar o primeiro casal na jardim do Éden.
Tenho também beijos pendurados na tela de cordas.
Essas plantas passam os dias atraindo os olhares
dos caminhantes do parque que circunda o zoológico.

Ainda pela manhã as graças com sua brancura como flocos
de algodão se instalam na árvore próxima ao lago.
Se voam dão-nos o espetáculo de brancas asas delta.
Os pombos, fazem seus exercícios matinais em revoadas
Razantes, vão e voltam e somem para outros paramos.
Cantos matinais de passarinhos me acordam
e eu os vejo buliçosos em busca de alimentos e
da companhia das árvores, da grama e do riacho.

Vejo o pôr do sol de cada fim do dia
dourando as nuvens e se despedindo de nós
enquanto cede espaço para a noite do sono
e descanso das criaturas, saudo-o como um amigo 
de cada dia que me traz alegria, alento e tempo
para cuidar da saúde, dos negócios, do trabalho.

E quando começa a escurecer aparece Venus
brilhante que no céu cintila qual diamante.
Vendo o céu cravejado de estrelas em suas constelações
com elas converso como amigos, elogio
sua beleza e elas me respondem com
sorrisos de namoradas ciumentas entre si
afinal, como diz o poeta, quem ama ouve e entende...
O mistério do universo me deslumbra, mundos
de fogo como sarças ardentes que não se consomem.

Meu amigo vento me visita várias vezes por dia
Sempre pergunto onde estava, de onde veio e para
onde vai, não diz, volta diferente a cada momento.
Ás vezes me avisa que Éolo abriu o controle
e aí terei ventania, que eu me cuide e me proteja.


Á noite as corujas agourentas se fazem ouvir no
bosque e os vagalumes querem mostrar onde elas estão
mas o pisca-pisca deles não dá para fixar o olhar nas aves.
O rugido do leão lembra a todos os descuidados
que o espaço tem dono, é território do rei
mesmo dormindo tem seu horário de rugir.

Mas minha varanda é espaço de encontro com amigos,
vinhos, queijos, castanhas e petiscos se misturam com as
piadas e os relatórios dos que não vieram participar.
O tempo para, as risadas são contínuas, os casos, ora
os casos... basófias, provocações de quem já está alto...
Como é fácil ser feliz quando Baco está conosco...

E a vida lá fora, logo abaixo nem é percebida a menos que um barulho maior de carro ou um carro policial nos lembre
a diversidade da vida que interrompe o bem-estar.
Mas momentos de emoção, quando à noite vem chegando
trazendo-nos a nostalgia do barulho do dia, tocam os sinos
e sobe ao céu uma prece, a Ave Maria, somos crianças de Deus.
Tudo o que se disse não foi para contar vantagem a qualquer
mas dizem que todos têm as próprias visões na memória e no coração.

Autor: Paulo Motta

Prazeres e desprazeres do álcool


Fim de tarde de um dia quente de verão, em algum lugar da África, há 2,6 milhões de anos, quando as pessoas vivem de caça e coleta. Um homem cansado, faminto e sedento senta-se no chão de uma caverna e, na falta de algo melhor para comer ou beber, ingere restos já fermentados de frutos e grãos colhidos dias antes. Em poucos minutos é invadido por uma sensação de leve tontura e certa euforia. Ele continua a ingerir a mistura e experimentar outra sensação – agora de relaxamento e sonolência, que o leva a adormecer. Foram descobertos os feitos do álcool.
Entre 6000 e 5000 a.C Os sumérios, egípcios e babilônios produzem cerveja, e os persas, vinho. A ingestão de bebidas alcoólicas já é parte dos hábitos e da cultura de vários povos. As sensações causadas por bebidas alcoólicas são associadas à religiosidade, á proximidade dos deuses, e passam a fazer parte de vários rituais religiosos. Por volta de 1800 a.C. os sumérios escrevem o hino a Ninkasi (deus protetor das cervejarias), que é ao mesmo tempo uma prece e uma receita para a produção de cerveja. Pessoas embriagadas, com comportamentos inadequados, levam à formulação de normas sociais de controle do uso das bebidas alcoólicas, restringindo-o a determinadas quantidades, situações ou idade. Em papiros egípcios foram encontrados hieróglifos alertando para os perigos da bebida em excesso. Na Bíblia, no livro do Gênesis, é mencionado que após o dilúvio Noé passou a cultivar a terra, plantou uma vinha, se embriagou e ficou nu, sugerindo uma atitude da embriaguez.
Por volta de 32. Jesus faz o milagre da transformação da água em vinho em um casamento judaico. Algum tempo depois, na última ceia, compartilha vinho com seus discípulos e atribui-lhe um caráter simbólico (representa o seu sangue a ser derramado pelo bem da humanidade) que serviria de inspiração para rituais religiosos que se perpetuam até hoje nas missas católicas.
Idade Média. Os árabes inventam a destilação, criando bebidas com maior concentração de álcool em comparação às fermentadas. Um pouco mais tarde, com a Revolução Industrial na Inglaterra, a produção passa a ser feita em grande escala, aumentando a proporção de pessoas embriagadas e os problemas associados ao uso de álcool.
Séculos 20 e 21. Vários tipos de bebidas alcoólicas são consumidos no mundo ocidental. Produzidas em escala industrial, sua comercialização é um dos mais rentáveis segmentos da economia. Apesar do reconhecimento dos problemas médicos e sociais decorrentes o consumo de bebidas alcoólicas, ele é incentivado pela mídia. Em outras culturas, como a islâmica, é proibido, considerado pecado e crime.
Esses são apenas alguns exemplos de como as bebidas alcoólicas vêm acompanhando a humanidade. Dizem que Vinicius de Morais teria afirmado: “Se o cachorro é o melhor amigo do homem, então o uísque é o cachorro engarrafado”. Mas o que diz a ciência sobre esse “companheiro da humanidade”, tido como “amigo” por uns e “vilão” por outros? Como o álcool interage com o organismo? Que mudanças ele provoca no seu funcionamento e na interação da pessoa com o ambiente? Algumas respostas já são conhecidas pela ciência. Outras ainda estão sendo procuradas.



Fonte:Revista: Scientific American – nº31
p.60 e 61

quarta-feira, 25 de julho de 2012

EIS QUE ELE BATE À PORTA





Eis que Deus faz todas as coisas novas. O livro do Apocalipse não é tão estranho quanto parece e a missa é mais esplêndida do que jamais sonhamos. O Apocalipse é tão familiar quando a vida que levamos; e até a missa mais sem brilho está, de repente, cravejada de ouro e pedras preciosas.
Você e eu precisamos abrir os olhos e redescobrir esse segredo da Igreja há muito perdido, a chave dos cristãos primitivos para entender os mistérios da missa, a única chave verdadeira dos mistérios do Apocalipse: “É dessa liturgia eterna que o Espírito e a Igreja nos fazem participar quando celebramos o mistério da salvação nos sacramentos” (Catecismo, n.1139).
Vamos para o céu não só quando morremos, ou quando vamos a Roma, ou quando fazemos uma peregrinação à Terra Santa. Vamos para o céu quando vamos à missa. Não é apenas símbolo, nem metáfora, nem parábola, nem figura de linguagem. É real. No século IV, santo Atanásio escreveu: “Queridos irmãos, não vimos a uma festa temporal, mas a uma festa celestial, eterna. Não a expomos em sombras; aproximamo-nos dela na realidade”.
O céu na terra – isso é realidade! É onde você esteve e onde ceou domingo passado! O que estava pensando naquele momento?
Reflita no que o Senhor queria que você pensasse. Reflita em seus convites do livro do Apocalipse: “O que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas. Ao vencedor, darei do maná escondido” (2,17). O que é o maná escondido? Lembre-se da promessa que Jesus fez quando falou de “maná”, no evangelho de João: “Os vossos pais, no deserto, comeram o maná e morreram. O pão que desce do céu é de tal sorte que aquele que dele comer não morrerá. Eu sou o pão vivo que desce do céu” (Jô 6,49-51). O maná foi o pão de cada dia do povo de Deus durante a peregrinação no deserto. Agora, Jesus oferece algo maior, e ele é bastante específico quanto ao convite: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo” (Ap 3,20).





ERGUER O VÉU - Como ver o invisível





Os cristãos ucranianos adoram contar como seus antepassados “descobriram” a liturgia. Em 988, quando se converteu ao Evangelho, o príncipe Vladimir de Kiev enviou emissários a Constantinopla, a capital da cristandade oriental. Ali, eles participaram da liturgia bizantina na catedral da Sagrada Sabedoria, a igreja mais majestosa do Oriente. Depois de passar pela experiência do canto litúrgico, do incenso, dos ícones – mas, acima de tudo, da Presença - , os emissários enviaram esta mensagem ao príncipe: “Não sabíamos se estávamos no céu ou na terra. Nunca vimos tanta beleza... não sabemos descrevê-la, mas disto temos certeza: ali, Deus habita entre a humanidade”.
A Presença. Em grego, a palavra é parusia e transmite um dos temas principais do livro do Apocalipse. Nos últimos séculos, os intérpretes têm usado a palavra quase exclusivamente para descrever a segunda vida de Jesus no fim dos tempos, e essa é a definição que se encontra na maioria dos dicionários. Contudo, não é o sentido principal. O sentido primordial de parusia é uma presença real, pessoal, viva, permanente e ativa. No último versículo do evangelho de Mateus, Jesus promete: “eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos tempos”.
Apesar de nossas redefinições, o livro do Apocalipse define essa forte sensação da iminente parusia de Jesus – sua vinda que tem lugar agora mesmo. O Apocalipse nos mostra que ele está aqui em plenitude – com sua realeza, em julgamento, em guerra, no sacrifício sacerdotal, em corpo e sangue, alma e divindade – onde quer que os cristão celebre a Eucaristia.
“A liturgia é a parusia contemplada antes do tempo, o já que entra em nosso ‘ainda não’”, escreveu o cardeal Josep Ratzinger. Quando Jesus vier novamente no fim dos tempos, ele não terá uma só gota de glória a mais do que tem neste momento, nos altares e nos sacrários de nossas igrejas. Deus habita entre a humanidade agora mesmo, pois a missa é o céu na terra.