A exemplo de Charles Chaplin e seu Carlitos, também houve,
um dia, um ator que arrastava multidões com um único personagem:
Amácio Mazzaropi. A comparação não se dá por acaso. Como Carlitos,
Jeca era um fora de lugar. Se o vagabundo chapliniano se negava a falar
quando cinema já cantava, o segundo, em 33 longas-metragens realizados
entre 1952 e 1981, insistia em ser caipira em um Brasil que se urbanizava.
De bobo, porém, nada tinha. O Jeca foi o maior fenômeno popular do cinema
nacional. Dono de sua própria produtora, a Pan (Produções Amácio Mazzaropi),
ainda hoje, 31 anos após sua morte, ele detém o 31° lugar entre as maiores
bilheterias nacionais (Jeca contra a capeta, de 1976), à frente de Tropa de elite,
Cidade de Deus, Chico Xavier e produções dos Trapalhões. Seus filmes venderam
mais de 200 milhões de ingressos, o que fez de Mazzaropi um dos homens mais
ricos da indústria cultural do País.
É esse o artista e empresário que, em abril, completa 100 anos e não pode ser
esquecido pelas gerações que fazem fila para assistir a Harry Potter, Crespúsculo
ou Piratas do Caribe. Afinal, se hoje há um público que vê cinema é porque herdou
essa cultura dos pais, adquirida vendo Mazzaropi. Foi esse filho de imigrantes nascido
a salvar o cinema brasileiro do ostracismo após o fim da “Hollywood brasileira”, a Vera
Cruz. Como ninguém esperava resultado do Cinema Novo, movimento de vanguarda
inspirado no neorrealismo italiano e na Nouvelle Vague francesa, foi com o simplório
Jeca que o brasileiro teve motivo para ir ao cinema encontrar diversão livre. O tipo
interiorano e ingênuo, de fato, fez o contraponto para o humor de duplo sentido de
Zé Trindade, as chanchadas de Oscarito e Grande Otelo (com suas vedetes do teatro
rebolado) e, depois, para o tipo malandro carioca e as pornochanchadas produzidas na
Boca do lixo, em São Paulo. O Jeca era mais família!
Poesia- E também provinciano, mas não reacionário. O humor de suas fitas parodiou
um país que se modernizava. A banda das velhas (1979) criticava as pornochanchadas.
Falou, do seu jeito, da reforma agrária em casinha pequenina (1962). Jeca e seu filho
preto (1978) tratou do preconceito racial e seu ponto de vista sobre o divórcio está
em Jeca contra capeta. Com isso, fazia cinema para todos. “Meu público é o Brasil.
Loto casa em São Paulo , Rio, Espírito Santo, Acre...”, afirmou em uma entrevista
concedida à revista Veja, em 1970, na qual revelou seu desprezo pelos intelectuais.
“Crítica que aplaude um cinema cheio de símbolos, enrolado, complicado, pretensioso,
mas sem público.”
Mas o Jeca, como todo homem, também se enganava, pois os observadores mais
exigentes viam nele algo além do que o popularesco. Como o historiador Paulo Emílio
Sales Gomes: “ Mazzaropi não aprofunda nada, mas nele os lugares comuns se acumulam
tanto que o terreno acaba cedendo e, como as minas descobertas ao acaso de desbarrancamentos, de repente desponta uma inesperada poesia”.
Referência:
Revista: Família Cristã – Ano 78 n° 917 /Pg.80
Autor: Sérgio Esteves
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