Na decadente conjuntura da degradação cultural promovida
pelo nivelamento vulgar das qualidades humanas,
vivemos sob o jugo da "ditadura da massificação",
na qual se dilui todo destaque pessoal, todo brilho singular
As inúmeras transformações sociais a valorativas ocorridas
na modernidade oitocentista a partir da queda do ideário
aristocrático e sua substituição pela visão de mundo burguês
trouxeram consigo um projeto cultural de instauração da noção
de "igualdade" na esfera política, econômica ou social. Todavia,
o projeto moderno de estabelecimento da "igualdade" humana se
revelou uma farsa, pois nenhum ser humano manifesta qualquer
tipo de característica semelhante a outrem, e se falamos de "igualdade",
estamos certamente estabelecendo uma redução simbólica da
condição individual.
Ortega y Gasset foi um dos principais filósofos a problematizar
a questão da massificação da cultura na modernidade ocidental,
e suas diversas implicações na esfera simbólica e social da vida
humana. Ao criar o conceito de "homem-massa", o filósofo forneceu
um importante aparato intelectual para compreendermos de que
maneira vivemos sob a égide moralista do nivelamento humano,
e de que forma nossa criação cultural se submeteu a tais parâmetros
normativos motivando, assim, nada mais do que o empobrecimento
existencial e a legitimação do grotesco. Para Ortega y Gasset,
" de repente a multidão tornou-se visível, instalou-se nos lugares
preferenciais da sociedade. Antes, se existia, passava despercebida.
Ocupava o fundo do cenário social; agora, antecipou-se às baterias,
tornou-se o personagem principal. Já não há protagonistas, só coro".
É importante destacar que a configuração valorativa do "homem-massa"
não segue parâmetros sociais ou econômicos específicos,
mas a análise da existência ou não de uma nobraza de espírito interior.
Assim, uma pessoa detentora de posses materiais, caso avalie sua
existência pelos parâmetros quantitativos da ganância, da falta de finesse
e da degradação do gosto cultural, associa-se ao grupo dos "homens-massa";
por sua vez, uma pessoa desprovida de instrução formal e de bens materiais,
mas que é dotada de espírito avaliativo e sensibilidade cultural para
apreciar aquilo que é belo ou sublime, se encontra longe da esfera vulgar
da tipologia da massa, caracterizada justamente pela ausência de critérios
seletivos em suas avaliações. Para Ortega y Gasset, " massa é todo aquele
que não atribui a si mesmo um valor - bom ou mau - por razões especiais,
mas que se sente como todo "mundo" e , certamente, não se angustia com isso,
sente-se bem por ser idêntico aos demais"(in Rebelião das massas,p.45)..Autor: Renato Nunes Bittencurt
Revista: Filosofia Ano V, No: 52
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