terça-feira, 2 de setembro de 2014



O canto gregoriano 
 
É por amor à vocação musical que a igreja tem se esforçado para silenciar os cantores dissonantes, não por crueldade
"DE HARMONICE MUNDI" , as harmonias dos mundos -foi esse o nome que Kepler deu ao livro em que relatou a sua descoberta das três fórmulas matemáticas que exprimem o movimento dos planetas. Por 18 anos ele havia trabalhado até chegar àquele resultado. Para ele era mais que matemática. Era música! Os astros, esferas celestes, tocavam música, música composta pelo Criador. O Criador esperara por 6.000 anos por uma criatura que a ouvisse. Kepler fora o primeiro a ouví-la.
Lendo "O Som e o Sentido", maravilhoso livro de José Miguel Wisnik, aprendi muitas coisas sobre esse mundo esquecido em que a matemática e música, duas irmãs gêmeas, dançavam. Sabiam os teólogos medievais que a música das esferas celestes era superior à música que os homens inventavam. E que música era essa que fazia audíveis aos ouvidos humanos a música do universo? Era o canto gregoriano. O canto gregoriano imita os astros. Cada esfera celeste é uma nota da escala musical.
Eterna e imutavelmente o canto gregoriano se repete como convém a uma obra de Deus. O que é completo e perfeito não admite novidades. Novidades são perturbações da ordem, como se algum planeta, enlouquecido, fugisse da órbita perfeita.
Música de novidades é música do tempo imperfeito, tempo do formigamento humano, tempo que ainda não encontrou o seu destino. O canto gregoriano é música do tempo perfeito, tempo que já encontrou o que buscava e que se repete, eternamente. Nas palavras da doxologia: "Como era no princípio, é hoje e para sempre, séculos sem fim, amém".

                                                                                                                                                   RUBEM ALVES

Nenhum comentário:

Postar um comentário