segunda-feira, 22 de setembro de 2014



O déficit de tudo

Há déficit por todos os lados. Nas esferas governamentais, nem se fala. O poder público nunca alcança as necessidades do povo. Enquanto este cresce desordenadamente, aumentando os problemas, aquele se perde na insuficiência burocrática e no descontinuísmo pragmático. Num diagnóstico simples, a culpa é geral.
Desde que me entendo pó gente (e mesmo depois, como estudante de história Universal), ouço falar na falta de recursos para pagar aposentadorias, para cobrir despesas médico-hospitalares, para quitar gastos com a escola-ensino, para melhorar o saneamento, para a constução-melhoramento das estradas, para o incremento agrícola-pecuário e muitas outras carências. Como político candidato a cargos eletivos, eu também batia nessas teclas, que sempre emitem os sons desafinados de orquestra sem regente. São questões globalizadas. Não são só nossas. Raros foram os países que se livraram, pelo menos momentaneamente, do fantasma da falta de equilíbrio entre receita e despesa. O que nunca faltou par o mundo foi o superávit de problemas: eles não desaparecem, só mudam de lugar e de tempo. É como dor em idoso. Não cura, só muda de local. Uma hora dói nas costas, noutra passa para os ombros e termina, como dizia minha avó: “A gente vai vivendo como Deus é servido”.
Entra governo, sai governo e o que modifica é a ótica das teses. Os caminhos continuam sem criatividade e as soluções recebendo atalhos que não chegam ao lugar certo. Por exemplo: se se sabe que há uma enorme evasão de recursos da previdência social (sonegação brutal), por que não enfrentar a fuga dos tributos de cara fechada, ao invés de penalizar o beneficiário? A cara fechada a que me refiro é o cumprimento da lei: todos (públicos e privados), sem proteção, recolherem ao Estado, que é um grande sonegador. Mas não. A regra é ferir o direito adquirido dos cidadãos. Por qualquer “me dê cá essa palha” aparece um Vieira (sem estalo) e propõe a pilhagem nos ganhos dos assalariados.
De tanto ler a história dos povos, contatei, no fim do segundo milênio da era Cristã (para não falar nos outros calendários), que o déficit permanente, no tempo e no espaço, é o moral. Os valores sofrem mutações bruscas, dando lugar a modismos que enfraquecem a resistência das pessoas, colocando-as vulneráveis ao comportamentos levianos e violentos que lhe minam a capacidade de resistência. Vivemos no apogeu da cocaína, da maconha, do LSD, do Crack, da prostituição (não só física), antidepressivos; temos o medo de ir e vir, além da sensação de perda (da vida e da propriedade), que nos põe em verdadeiras prisões domiciliares. Nas ruas, os destemperos e as inseguranças. Acabaram-se as serenatas. O poeta perdeu a musa, que foi morta e queimada no porta-malas do automóvel.
O momento é de indignação e de repulsa ao conformismo instalado em todos. Chegou a hora da guerra santa contra a degeneração dos princípios que engrandecem o ser humano. Enganam-se os que pensam que a cruzada tem como alvo só as instituições e os pobres. O reordenamento cultural desfaz o nó do déficit de cidadania e traz o superávit da felicidade. A atribuição de culpa, por tudo, aos governantes, vem retardando os avanços necessários ao desenvolvimento. O combate é de responsabilidade dupla. Estado e governado são agentes do pacto social. Consertar a pátria faz parte do concerto das pessoas.

Autor: Iram Saraiva
Livro: Eterno Rebelde

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