Aforismos
Aforismos são relâmpagos: caem do céu com um
estampido e racham pedras. Suas causa são irrelevantes. Dispensam razões.
Riem-se dos que tentam explicá-los. Valem por eles mesmos, como se fossem
estrelas. Repelem aqueles que os entendem como nascidos.
“Um bom aforismo é muito duro para os dentes do
tempo e não é consumido pelos milênios, muito embora ele seja alimentado a cada
momento: esse é o grande paradoxo da literatura, o permanente no meio das
mudanças, a comida que permanece sempre gostosa, como sal, ela não perde o
sabor...
Fernando Pessoa se apresentava com as idéias que
lhe vinham sem que as tivesse procurado.
Às vezes
tenho idéias felizes,
idéias
subitamente felizes, em idéias.
E nas
palavras em que naturalmente se despegam...
Depois de
escreve, leio...
Por que
escrevi isto?
Onde fui
buscar isto?
De onde me
veio isto? Isto é melhor do que eu...
Seremos nós
neste mundo apenas canetas com tinta
com que
alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?
Uma moça me escreveu. Estava lutando para ser
admitida no “País dos Saberes”. Estava escrevendo uma tese. Tinha de provar o
seu domínio da gramática da ciência. Sua tese era sobre as estórias infantis
que escrevi. Guiada pelo guardião dos saberes acadêmicos, o seu orientador,
enviou-me um questionário preparado segundo as regras acadêmicas.
Primeira pergunta:
“De que teoria o senhor lança mão para escrever as
suas estórias?
Segunda pergunta:
“Que método o Senhor usa para escrever suas
estórias?”
Pobrezinha. Minhas respostas não a ajudaram. Nem
lanço mão de teoria nem uso método para escrever minhas coisas. Lançaria mão de
teoria e usaria método se eu estivesse procurando. Mas “eu não procuro. Eu
encontro”.
Para os soldados que marcham em parada, a
coreografia do grupo de dança O corpo é anarquia. A marcha dos soldados segue a
lógica da causalidade. “Ordinário! Marche!” Uma coisa depois da outra, na ordem
devida, segundo a lógica da sucessão e da contiguidade.
Mas a dança do corpo segue a lógica do amor. Lógica
do amor? Amor tem lógica? Amor não é só loucura? Sentimento puro, incapaz de
conhecer? Não será por isso que ele foi excluído do “País dos Saberes”? Ah!
Como os pedagogos têm medo da palavra Amor! Se a usassem, seriam apelidados de
românticos!Mas quem tem respeito intelectual por um romântico? Na melhor das
hipóteses, ele escreverá poemas e comporá canções. Mas de um romântico não se
pode esperar conhecimento. Apenas ejaculações emotivas. E não há nada a que os
pedagogos mais aspirem com a elevação da educação à dignidade de ciência, para poder
ser admitidos nos círculos da ciência.
Autor: Rubem Alves
Livro: Variações sobre o prazer
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