sexta-feira, 5 de setembro de 2014



Aforismos


Aforismos são relâmpagos: caem do céu com um estampido e racham pedras. Suas causa são irrelevantes. Dispensam razões. Riem-se dos que tentam explicá-los. Valem por eles mesmos, como se fossem estrelas. Repelem aqueles que os entendem como nascidos.
“Um bom aforismo é muito duro para os dentes do tempo e não é consumido pelos milênios, muito embora ele seja alimentado a cada momento: esse é o grande paradoxo da literatura, o permanente no meio das mudanças, a comida que permanece sempre gostosa, como sal, ela não perde o sabor...
Fernando Pessoa se apresentava com as idéias que lhe vinham sem que as tivesse procurado.

Às vezes tenho idéias felizes,
idéias subitamente felizes, em idéias.
E nas palavras em que naturalmente se despegam...
Depois de escreve, leio...
Por que escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...
Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta
com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?

Uma moça me escreveu. Estava lutando para ser admitida no “País dos Saberes”. Estava escrevendo uma tese. Tinha de provar o seu domínio da gramática da ciência. Sua tese era sobre as estórias infantis que escrevi. Guiada pelo guardião dos saberes acadêmicos, o seu orientador, enviou-me um questionário preparado segundo as regras acadêmicas.
Primeira pergunta:
“De que teoria o senhor lança mão para escrever as suas estórias?
Segunda pergunta:
“Que método o Senhor usa para escrever suas estórias?”
Pobrezinha. Minhas respostas não a ajudaram. Nem lanço mão de teoria nem uso método para escrever minhas coisas. Lançaria mão de teoria e usaria método se eu estivesse procurando. Mas “eu não procuro. Eu encontro”.
Para os soldados que marcham em parada, a coreografia do grupo de dança O corpo é anarquia. A marcha dos soldados segue a lógica da causalidade. “Ordinário! Marche!” Uma coisa depois da outra, na ordem devida, segundo a lógica da sucessão e da contiguidade.
Mas a dança do corpo segue a lógica do amor. Lógica do amor? Amor tem lógica? Amor não é só loucura? Sentimento puro, incapaz de conhecer? Não será por isso que ele foi excluído do “País dos Saberes”? Ah! Como os pedagogos têm medo da palavra Amor! Se a usassem, seriam apelidados de românticos!Mas quem tem respeito intelectual por um romântico? Na melhor das hipóteses, ele escreverá poemas e comporá canções. Mas de um romântico não se pode esperar conhecimento. Apenas ejaculações emotivas. E não há nada a que os pedagogos mais aspirem com a elevação da educação à dignidade de ciência, para poder ser admitidos nos círculos da ciência.

Autor: Rubem Alves
Livro: Variações sobre o prazer


Nenhum comentário:

Postar um comentário