quinta-feira, 18 de setembro de 2014



A falta de clareza

Ruim não é votar. Ruins são as leis que organizam o voto, a começar por aquela que traz o formato e a estrutura dos partidos políticos. A legislação exageradamente esparsa confunde os eleitores, os candidatos e, pior ainda, os responsáveis pela sua aplicação, na medida em que apresenta uma riqueza de regras redundantes, além de casuísticas, efêmeras, e para atender propósitos que derrubam a lisura do voto. A falta de clareza dos instrumentos eleitorais dificulta a melhoria da qualidade na escolha de representantes. Quanto menos complicado o sistema, mais próximo de bons resultados. Nos próprios procedimentos eleitorais, que agora critico, encontramos o argumento de que a simplificação é o caminho: a urna eletrônica deu certo e nos livrou de vários inconvenientes que, no passado, maculavam os pleitos. Nada de fenomenal, mas prático.
Situar as questões eleitorais nas áreas do direito público e do direito privado, por si só, já se constitui noutro complicador. E não bastasse, ainda subsistem normas constitucionais e infraconstitucionais, sendo estas últimas, de conteúdo de lei ordinária e de lei complementar. Graças a isso, sobrevive em vigência o Código Eleitoral – que é uma lei ordinária anterior à constituição – que regula a competência e a organização da justiça Eleitoral, assunto que hoje deve ser, por determinação constitucional, por via de lei complementar. E assim vai. Se para os operadores do direito nem é tanto complicado, para os legisladores fica uma grande dose de menosprezo às regras que lhes são imponíveis. Ora, uma lei ordinárias é aprovada com quorum baixo; portanto, fácil de ser alterada; enquanto uma lei complementar cobra quorum qualificado, ou maior, que a torna menos vulnerável. Essa é a primeira situação que deve ser resolvida para que outra falha não ocorra, qual seja, a de a própria Justiça Eleitoral ter de legislar subsidiariamente até sobre o seu próprio formato; porque nas demais matérias comuns eleitorais, há muito ela interfere, inclusive como fonte de direito: mais regras a dificultarem o processo. Regras interpretando regras, umas atas das outras. Daí os inúmeros conflitos. O que era para ser elementar escolha de dirigentes, transforma-se em sede de inexplicáveis recursos procrastinatórios.
De pouca sustentação, ou de nenhuma, para nós que nas faculdades cuidamos dos temas eleitorais, é a existência de um código – nele presentes o direito substantivo e o direito adjetivo – a conviver com variedades de leis em cima do mesmo conteúdo, gerando espaços, no mínimo, de muitas possibilidades de chicanas, dentro de um processo que tem por característica principal o rito sumário.
Enquanto não se resolverem as contradições legais, as eleições continuarão fadadas a patrocinar todo tipo de insegurança nos pleitos. Leis demais significam resultados de menos. Qualquer lei deve conter clareza: para lá é mão, para cá é contramão. Fora disso, as interpretações vão ao infinito.


Autor: Iram Saraiva
Livro: Eterno Rebelde

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