A falta de clareza
Ruim não é votar. Ruins são as
leis que organizam o voto, a começar por aquela que traz o formato e a
estrutura dos partidos políticos. A legislação exageradamente esparsa confunde
os eleitores, os candidatos e, pior ainda, os responsáveis pela sua aplicação,
na medida em que apresenta uma riqueza de regras redundantes, além de
casuísticas, efêmeras, e para atender propósitos que derrubam a lisura do voto.
A falta de clareza dos instrumentos eleitorais dificulta a melhoria da
qualidade na escolha de representantes. Quanto menos complicado o sistema, mais
próximo de bons resultados. Nos próprios procedimentos eleitorais, que agora
critico, encontramos o argumento de que a simplificação é o caminho: a urna
eletrônica deu certo e nos livrou de vários inconvenientes que, no passado,
maculavam os pleitos. Nada de fenomenal, mas prático.
Situar as questões eleitorais nas
áreas do direito público e do direito privado, por si só, já se constitui
noutro complicador. E não bastasse, ainda subsistem normas constitucionais e
infraconstitucionais, sendo estas últimas, de conteúdo de lei ordinária e de
lei complementar. Graças a isso, sobrevive em vigência o Código Eleitoral – que
é uma lei ordinária anterior à constituição – que regula a competência e a
organização da justiça Eleitoral, assunto que hoje deve ser, por determinação
constitucional, por via de lei complementar. E assim vai. Se para os operadores
do direito nem é tanto complicado, para os legisladores fica uma grande dose de
menosprezo às regras que lhes são imponíveis. Ora, uma lei ordinárias é
aprovada com quorum baixo; portanto, fácil de ser alterada; enquanto uma lei
complementar cobra quorum qualificado, ou maior, que a torna menos vulnerável.
Essa é a primeira situação que deve ser resolvida para que outra falha não
ocorra, qual seja, a de a própria Justiça Eleitoral ter de legislar
subsidiariamente até sobre o seu próprio formato; porque nas demais matérias
comuns eleitorais, há muito ela interfere, inclusive como fonte de direito: mais
regras a dificultarem o processo. Regras interpretando regras, umas atas das
outras. Daí os inúmeros conflitos. O que era para ser elementar escolha de
dirigentes, transforma-se em sede de inexplicáveis recursos procrastinatórios.
De pouca sustentação, ou de
nenhuma, para nós que nas faculdades cuidamos dos temas eleitorais, é a
existência de um código – nele presentes o direito substantivo e o direito
adjetivo – a conviver com variedades de leis em cima do mesmo conteúdo, gerando
espaços, no mínimo, de muitas possibilidades de chicanas, dentro de um processo
que tem por característica principal o rito sumário.
Enquanto não se resolverem as
contradições legais, as eleições continuarão fadadas a patrocinar todo tipo de
insegurança nos pleitos. Leis demais significam resultados de menos. Qualquer
lei deve conter clareza: para lá é mão, para cá é contramão. Fora disso, as
interpretações vão ao infinito.
Autor: Iram Saraiva
Livro: Eterno Rebelde
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