quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Águas profundas

        A crise da Petrobras já é a maior desde o estouro do mensalão. O que aconteceu, até agora, mesmo sem saber a evolução, criou uma zona de sombra sobre negócios públicos que assusta pela dimensão. O ex-diretor Paulo Roberto Costa esteve nos governos Lula e parte do governo Dilma em uma diretoria poderosa, assumiu a presidência várias vezes. Hoje, na cadeia, conta o que sabe.

      É doloroso para qualquer brasileiro ver a maior empresa do país, com sua história, tradição e competência, mergulhada nas águas profundas das comissões cobradas em negócios superfaturados e em distribuição de propinas. Há uma grande chance — e tomara que ela se confirme — de que não seja generalizado, mas um foco de corrupção, felizmente detectado pela Polícia Federal.
     A empresa é a empresa. Continua fazendo seu trabalho, pesquisas futuristas no Cenpes, os embarcados passam duas semanas seguidas no meio da mar, as plataformas continuam achando novas reservas de petróleo, e novas formas de prospectá-lo. A Petrobras não pode ser confundida com o que andou acontecendo de obscuro nas transações cujos fios aparecem agora.
    As histórias que começam a aparecer são tenebrosas e evidentemente não estão circunscritas a dois diretores. Provavelmente, há o concurso de mais gente dentro da empresa e políticos fora da estatal. Uma empresa deste tamanho tem um volume tão assombroso de contratos, fornecedores, compras, que só um sistema de muita transparência, vigilância e prestação de contas pode proteger o contribuinte e os acionistas dos desvios. Quando é um caso isolado, resolve-se com demissões; quando é um foco que parece ter se espalhado pela cúpula do poder em Brasília, é um escândalo a ser investigado, julgado e punido exemplarmente; quando é uma corrupção endêmica, é desesperador. Os sinais não confirmam a terceira, e pior, hipótese.
    Até agora, todos os indícios são de um foco de negociatas, e o avanço, com a delação premiada de Paulo Roberto Costa, é a lista dos beneficiados. É preciso até mais do que as declarações dele, mas é bom lembrar que se o que o faz falar é a esperança de redução da pena — de não virar um Marcos Valério, que em breve estará sozinho na cadeia — ele precisará dizer a verdade.
     A Petrobras tem outro problema derivado das opções de política energética feitas pelo governo, e que a essa altura parece o de menos. Mas produziu um aumento do nível de endividamento em relação à geração de caixa que a leva para o caminho da redução da classificação de risco, com danos pesados, inclusive aumento do custo dos financiamentos externos. Isso pode ser corrigido se no próximo governo — ou no próximo mandato — houver alteração dos rumos adotados até agora. Não é fácil, no entanto, pelo impacto desse ajuste na inflação.
       Política equivocada resolve-se com uma transição para uma nova diretriz. O que realmente pesa sobre o país neste momento é algo muito pior. Pela informação de Rodrigo Rangel, na “Veja”, o que Costa teria dito até agora envolveria três governadores, seis senadores, um ministro de Estado e 25 deputados. Na lista, estão os presidentes das duas Casas do Legislativo Federal. Como um dos governadores não pode mais se defender, e seu nome permanece como um dos pivôs eleitorais, todo o cuidado é pouco na divulgação das acusações.
    A grande esperança em relação ao mensalão era que o difícil processo trouxesse um constrangimento aos corruptos e corruptores. Pelo visto, parece não ter sido suficiente. Se o que está sendo dito for confirmado, o país passará por outro período de exposição das vísceras, e o que se espera é que a Procuradoria da República e o Supremo Tribunal Federal se dediquem da mesma forma como se dedicaram ao caso do mensalão.
Até agora, de concreto, tem-se o ex-diretor preso e falando dentro do processo de delação premiada, e alguns negócios muito mal explicados, como a compra da refinaria de Pasadena por um preço muito maior do que havia sido comprada tempos antes, e outra refinaria que teve seu custo inicial multiplicado.
        Diante do que já se sabe, a presidente não pode acusar seus adversários políticos de ameaçarem a estatal. O que pesa sobre a Petrobras agora aconteceu nos três últimos mandatos presidenciais.

Míriam Leitão

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