Certa vez, durante um
encontro de formação litúrgica, alguém respondeu referindo-se à prática de
oração: “Eu rezo o dia todo, falo com Ele o tempo todo...”. Depois disso, alguém
interveio, dizendo: “E quando é que você o escuta?”. Silêncio. Talvez tenha sido
o único momento do encontro em que se ensaiou a escuta. Até aquele momento, cada
um, como podia, deixava transparecer seu modo de rezar, em geral, muito
aproximado daquele.
De fato, nos dias atuais,
envoltos por tantos apelos sensoriais, falamos, vemos, ouvimos, cheiramos,
tateamos muito... e escutamos pouco. Achamos que isso é
normal, que faz parte do nosso tempo. será? Podemos
perceber o possível resultado dessa conduta em nossa
celebrações litúrgicas. Nossas reuniões ruidosas, mal preparadas,
visualmente poluídas, têm-nos afastado da escuta essencial, colocando em risco
nosso encontro fraterno ao redor da mesa do Senhor.
Aqui caberia uma questão:
se vivemos num mundo que privilegia o fragmentado, não conviria um resgate da
unidade do ser, par que o culto espiritual que elevamos ao Pai, por Jesus
Cristo, seja realmente íntegro?
Num diálogo ou numa
situação qualquer alguém diz: “Pense, antes de falar!”. Quando isso ocorre,
normalmente, ficamos atentos sobre o que nós mesmos dizemos, ou seja, passamos a
ouvir a nós mesmos. É o que acontece durante a proclamação da Palavra. As
palavras ditas são não somente ditas, mas ouvidas, interpretadas,
internalizadas. Para que alcancemos tal objetivo, é necessária uma preparação
prévia, não simplesmente voltada para a leitura, mas para os traços sensoriais
nela contidos (as palavras-chave do discurso).
Será verdade que
exercitamos pouco as nossas faculdades auditivas? Exatamente. Ouvimos de tudo
sem, todavia, reservamos um tempo para um processamento inteligente e, desse
modo , vamos esvaziando os conteúdos mais
significativos que nos penetram pela via sensorial auditiva. Uma boa escuta gera
transformações no ser inteiro.
Quem tem ouvidos para
ouvir, ouça! Essa admoestação do Mestre não servia somente para que os
discípulos se concentrassem no poder de suas palavras. Ela implicava no
exercício contínuo da reflexão para as tomadas de decisão próprias do
seguimento. Hoje, tal orientação se dirige a nós, seus discípulos e
discípulas.
Revista de
Liturgia
Ano 35
Pg.23
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