segunda-feira, 4 de março de 2013

AMOR DE PERDIÇÃO

 
Em 1862, Camilo Castelo Branco publicava Amor de Perdição. Pouco tempo depois, a novela já era sucesso de venda a aceitação. Rapidamente, tornou-se uma das fortes referências do Romantismo português e grande motivo para a população do seu autor que vinha publicado desde 1845.
Na correlação dos fatos, cabe lembrar que o enredo tocou profundamente a sensibilidade romântica da juventude que lhe foi contemporânea. Foi, por isso, lido com paixão e entrega. Segundo certa tradição, desencadeou uma onda de suicídios que deixou, em Portugal, pais e outras autoridades muito alarmados.
O amor incondicional entre Simão e Teresa encontrou verdadeira acolhida, profunda empatia. Não havia, entre os mais jovens, como não se identificar com sentimento tão casto e corajoso. O amor tornara os heróis invencíveis. Em sua força e sinceridade, ele era oposição destemida às convenções sociais.
Na arte, o mesmo trajeto já fora percorrido por outros amores. Célebre tornara-se a relação entre Romeu e Julieta e, mais de dois séculos depois, a novela camiliana fez dela um resgate e estabeleceu um diálogo. Com isto, mundos artísticos se ligaram, e um lastro de literatura e história se construiu, alimentando almas românticas.
O texto camiliano, entretanto, traz uma distinção neste mundo de correlações. Os seus aspectos de tragédia são, em nossa leitura, maiores e mais visíveis. Na novela camiliana, o mundo social não se redime com a morte dos amantes. Nas famílias dos protagonistas, o ódio e a dissidência permanecem.
Simão e Teresa, no entanto, estão acima das questões familiares. O amor de um para com o outro os ilhou, tornou-os imbatíveis, imunes às pressões. O pátrio poder sobre eles nada pode. Na extensão dos fatos, eles puseram abaixo convenções, lugares sociais, um quadro histórico alicerçado em falsos valores aristocráticos.
Para o enredo, a verdadeira aristocracia não está no sangue ou na arrogância. Ela está nos sentimentos, na amizade sincera. Assim, na lógica estabelecida, nobre é o que respeita os sentimentos alheios e os próprios. E mais: é aquele para quem a crença reinante é a de que os sentimentos purificam e o amor salva.
Por isto, pobres daqueles que se põem contrários e estes fatos. Condenam a si mesmos ao sofrimento e suas vidas se tornam fardos. Eles não abrem a seu favor as portas da remissão. Em suas vidas, falam mais alto o dinheiro, o prestígio, a honra, o corporativismo de casta e família, tolices das quais os heróis debicam. Mas na torrente contrária, sem que se estranhe, só os sentimentos verdadeiros carregam positiva significação. Eles livram a sociedade da hipocrisia e, neste aspecto, a lógica romântica é destemida, para não dizermos implacável, tanto quanto a lógica de seus opositores.

Autor: Camilo Castelo Branco
Revista: Literatura pg. 6/7

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