Voto
vencido
Era quinta
feira e nesse dia nos colégios salesianos não há aula, ficando dia para a prática
de esportes. O fato se deu em Lavrinhas - SP e eu cursava a quarta série do
antigo ginásio.
Na parte da
tarde estávamos no salão de estudos, num total de cento e oitenta seminaristas.
O padre diretor do colégio foi nos dar uma boa notícia. Disse que tinha em
mente nos proporcionar um passeio e para tanto nós poderíamos escolher entre
duas alternativas.
A primeira
seria um passeio até a vila de Pinheiros para cantarmos na missa festiva e
depois haveria um churrasco.
A segunda
alternativa seria o tradicional passeio na fazenda do senhor Tundato, já
conhecida nossa, pois já tínhamos ido lá por várias vezes.
Em seguida o
diretor mandou levantar a mão os que queriam ir a Pinheiros. Levantei a mão. O
diretor então me disse: “Você é sempre do contra, todos dizem que é branco você
acha que é preto”. Foi aí que eu percebi que somente minha mão estava levantada.
Todos riam de mim. Votei sozinho. Portanto prevaleceu o passeio na fazenda do
velho italiano.
Mais tarde o
diretor me chamou e me pediu desculpas por ter sido tão duro comigo e
generalizado a minha discordância dos demais. Então me perguntou por que eu
tinha escolhido diferentemente de todos os outros. Eu respondi que na votação
eu percebera uma manobra dele, para economizar um passeio, visto que se fôssemos
passear em Pinheiros, iríamos também depois à fazenda na qual íamos todos os
anos. O diretor me disse que apesar de novo, eu era perspicaz. Imaginem!
Merecia, portanto ir aos dois passeios. A Pinheiros com um grupo de cantores
que ia cantar na missa, embora eu não fosse da cantoria. Saí ganhando, embora
tivesse perdido a eleição. E tive que perdoar a esperteza do meu diretor.
Quando aconteceu
o passeio à fazenda, acima dita, lá nos divertimos bastante antes de sermos
brindados com o churrasco. Um grupo de colegas junto aos quais eu estava se
dirigiu até o curral para ver os bezerros. Lá um empregado nos mostrou um
pequeno barril e perguntou se queríamos beber. Alguns aceitaram. Era cachaça de
alambique, para quem conhece, coisa fina. O problema é que gostaram da
branquinha e tomaram como se fosse água. O resultado já era esperado. Quatro
dos nossos colegas estavam bêbados, falavam demais, a censura tirada pela
bebida não impedia que os chapados dissessem bobagens uma atrás das outras. Eu
e outros colegas tivemos que cuidar deles para que os superiores não ficassem
sabendo. Havia no curral um tonel vazio. Com uma mangueira o enchemos de água e
ali batizamos os pecadores com três mergulhos de cabeça cada um deles, até
percebermos que tinham recebido de volta o espírito do equilíbrio, ao menos o
suficiente para se ajuntarem aos outros. No ato batismal xingavam demais, mas
depois sacudiam a cabeça e davam volta por cima.
O churrasco se
encarregou misturado com feijão tropeiro, foi comido com aquele apetite de quem
tomara um aperitivo generoso. E bola pra frente no resto da tarde que estava
muito bonita.
Contos de Paulo Motta
Livro: Memórias de um Seminarista
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