segunda-feira, 25 de maio de 2015

Voto vencido

Era quinta feira e nesse dia nos colégios salesianos não há aula, ficando dia para a prática de esportes. O fato se deu em Lavrinhas - SP e eu cursava a quarta série do antigo ginásio.
Na parte da tarde estávamos no salão de estudos, num total de cento e oitenta seminaristas. O padre diretor do colégio foi nos dar uma boa notícia. Disse que tinha em mente nos proporcionar um passeio e para tanto nós poderíamos escolher entre duas alternativas.
A primeira seria um passeio até a vila de Pinheiros para cantarmos na missa festiva e depois haveria um churrasco.
A segunda alternativa seria o tradicional passeio na fazenda do senhor Tundato, já conhecida nossa, pois já tínhamos ido lá por várias vezes.
Em seguida o diretor mandou levantar a mão os que queriam ir a Pinheiros. Levantei a mão. O diretor então me disse: “Você é sempre do contra, todos dizem que é branco você acha que é preto”. Foi aí que eu percebi que somente minha mão estava levantada. Todos riam de mim. Votei sozinho. Portanto prevaleceu o passeio na fazenda do velho italiano.
Mais tarde o diretor me chamou e me pediu desculpas por ter sido tão duro comigo e generalizado a minha discordância dos demais. Então me perguntou por que eu tinha escolhido diferentemente de todos os outros. Eu respondi que na votação eu percebera uma manobra dele, para economizar um passeio, visto que se fôssemos passear em Pinheiros, iríamos também depois à fazenda na qual íamos todos os anos. O diretor me disse que apesar de novo, eu era perspicaz. Imaginem! Merecia, portanto ir aos dois passeios. A Pinheiros com um grupo de cantores que ia cantar na missa, embora eu não fosse da cantoria. Saí ganhando, embora tivesse perdido a eleição. E tive que perdoar a esperteza do meu diretor.
Quando aconteceu o passeio à fazenda, acima dita, lá nos divertimos bastante antes de sermos brindados com o churrasco. Um grupo de colegas junto aos quais eu estava se dirigiu até o curral para ver os bezerros. Lá um empregado nos mostrou um pequeno barril e perguntou se queríamos beber. Alguns aceitaram. Era cachaça de alambique, para quem conhece, coisa fina. O problema é que gostaram da branquinha e tomaram como se fosse água. O resultado já era esperado. Quatro dos nossos colegas estavam bêbados, falavam demais, a censura tirada pela bebida não impedia que os chapados dissessem bobagens uma atrás das outras. Eu e outros colegas tivemos que cuidar deles para que os superiores não ficassem sabendo. Havia no curral um tonel vazio. Com uma mangueira o enchemos de água e ali batizamos os pecadores com três mergulhos de cabeça cada um deles, até percebermos que tinham recebido de volta o espírito do equilíbrio, ao menos o suficiente para se ajuntarem aos outros. No ato batismal xingavam demais, mas depois sacudiam a cabeça e davam volta por cima.
O churrasco se encarregou misturado com feijão tropeiro, foi comido com aquele apetite de quem tomara um aperitivo generoso. E bola pra frente no resto da tarde que estava muito bonita.

Contos de Paulo Motta
Livro: Memórias de um Seminarista

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