terça-feira, 9 de abril de 2013

TRÊS CAUSOS

 
Embora ganhasse a vida como ourives, todos sabiam que ele, pela graça de Deus, nascera músico. Era justo, portanto, que todos o tratassem como “maestro” Tonico, seu nome completo sendo Antônio Martins de Araújo. Que não se tratava de figura lendária provam os seus instrumentos de trabalho que examinei pessoalmente, os de ourives, rústicos, mas, sobretudo, o diapasão fiel que continua hoje s vibrar o “lá” da mesma forma como o fez vibrar na cidade de Goiás Velho, lugar onde vivia o maestro. O que faz um músico não é o instrumento, é o ouvido, e o ouvido do maestro Tonico era perfeito.
Tão forte era a música no corpo do maestro Tonico que todos os seus seis filhos nasceram músicos. A explicação mais provável para essa aparente coincidência é que, talvez, no momento supremo do ato de amor, o maestro deveria estar sonhando com alguma música. Violino, clarineta, flauta, bandolim, cítara e violoncelo faziam uma bela orquestra doméstica. E essa era a felicidade suprema do maestro Tonico: ver os filhos juntos, afinados, tocando sob o comando da sua batuta.
Bach tinha algo em comum com o maestro Tonico. Era um modesto organista numa cidade do interior. Nunca teve fama ou reconhecimento. Um dos seus patrões se refere a ela, numa carta, como “músico medíocre”. Tinha por obrigação semanal compor peças sacras para a liturgia do culto luterano. Suas composições, uma vez executadas, eram esquecidas e guardadas em canastras e estantes em algum quarto da igreja. Surpreendido pela morte no meio da composição da Arte da fuga, ninguém ligou para o que deixara escrito. Seus manuscritos foram vendidos para um açougueiro que os usava para embrulhar carne. Mendelssohn, por acaso, foi comprar carne do tal açougueiro. Mas ele logo se desinteressou da carne, assombrado com o que Bach foi descoberto no lugar mais deprimente do mundo: embrulhando carne num açougue. Graças a Deus que Mendelssohn não era vegetariano!

Livro: As melhores crônicas de
Rubens Alves
Pg. 14/15

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