sexta-feira, 19 de abril de 2013

Mais alto o coqueiro


Dos 40 inicialmente denunciados pela Procuradoria-Geral da República restaram 37 réus, 25 condenados, 13 em regime fechado.
Em principio esse resultado oferece à sociedade uma resposta além da esperada em termos de rigor no trato de ilícitos ocorridos nos altos escalões da República. Se inovações houve por parte do Supremo Tribunal Federal, uma das mais importantes foi o entendimento de que quanto mais alto o coqueiro maior pode ser o tombo.
Não se trato de condenar o cargo, mas de levar em conta as agravantes decorrentes do poder demando. Desde a responsabilidade final sobre os atos até a disposição de impor critérios rígidos de conduta que, se ausentes, deixam prosperar a permissividade.
Prevaleceu no STF percepção contrária à regra até então vigente na cultura do privilégio e da aceitação do lema de que detentores de mandatos, de influentes cargos e posições políticas de prestígio não são pessoas comuns, devendo a elas ser conferido tratamento especial. Pela posição que ocupam ou mesmo pela “trajetória de luta”, quando pegas transitando à margem da lei, só seriam punidas mediante o impossível: a apresentação do recibo do crime.
Ao (quase) fim e ao cabo de quatro meses de julgamento do processo do mensalão o Supremo disse que não é bem assim. Ou pelo menos nesse caso não foi. Será daqui em diante? É uma pergunta a ser respondida mais adiante. Por enquanto o que se tem de certo é um aumento no grau de confiança no Judiciário.
Um passo e tanto nesse tempo de supremacia majestática do Executivo e de descrédito crescente no Legislativo. Impõe-se agora a seguinte questão: isso representa o início de um processo ou será apenas um momento fugaz, cujo efeito se dilui ao longo do tempo sem produzir nenhum avanço?
O Brasil já viveu outros episódios em que a euforia se confundiu com a esperança. Campanha das Diretas, fim do regime militar, Assembléia Nacional Constituinte, impeachment de Fernando Collor, CPI do Orçamento e tantos outros momentos.
Isoladamente, nenhum deles virou o País de cabeça para baixo (ou para cima), mas juntos um ativo que se expressa no casamento entre a opinião do público e a posição da Corte guardiã da legalidade.

Autora: Dora Kramer
Jornal: O POPULAR do dia 30/12/2012

quinta-feira, 18 de abril de 2013

DEFINITIVO- CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE



Definitivo, como tudo o que é simples. 

Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas  e não se cumpriram. 
Sofremos por quê?

Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado  e passamos a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido juntos e não tivemos, por todos os shows, livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado e não compartilhamos.
Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.
Sofremos, não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.
Sofremos, não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os
momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.
Sofremos, não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.
Sofremos, não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo
confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam,
todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.
Por que sofremos tanto por amor?
O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma
pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez
companhia por um tempo razoável,

 um tempo feliz.
Como aliviar a dor do que não foi vivido?
A resposta é simples como um verso:
"Se iludindo menos e vivendo mais!!!"  

A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade.
A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional...
Postagem

sexta-feira, 12 de abril de 2013

LABIRINTO DE ESPELHOS

 
A formação da auto-estima tem sido um tema bastante discutido nos estudos das ciências humanas, em especial na áreas de psicologia e educação, mas pouco focado como uma questão de saúde pública.
Possíveis correlações entre a vivência de situações de violência doméstica ou social e construções de auto-estima. Como leitores, somos levados a ir montando um grane caleidoscópio de como a auto-estima se forma a partir de olhares, do outro e de nós mesmos, e das experiências vividas.
Os fatores que contribuem para a sua formação n infância e adolescência, as implicações que a auto-estima tem na construção da personalidade e seus reflexos na relação do indivíduo com o mundo.
A visão que os adolescentes têm de si, correlacionando-a com o nível de auto-estima, aferido baseando-se em uma escala de dez itens. Discute-se a ligação entre a auto-estima diversas questões como o conhecimento e valorização de si que estes jovens apresentam: a confiança que têm em sua força pessoal: a capacidade de almejar algo e de superar dificuldades. Seguindo esta linha de pensamento, é introduzido o conceito de resiliência, o qual irá permear a reflexão envolvendo violência e auto-estima.
O impacto que a convivência familiar produz na construção da auto-estima, bem como o modo como o jovem percebe e é percebido por seus familiares, são abordados por diversos ângulos. Desta maneira, consegue-se ter uma visão ampliada de como o relacionamento familiar e suas diversas nuances influenciam na construção da auto-estima.
Não podemos esquecer que independente do papel fundamental que a família exerce, a escola na sociedade atual significa um espaço não só de aprendizagem, mas também um local onde o jovem encontra, ou não, o pertencimento a determinado grupo social. Grupo este que vai permitir ocorram trocas, formação de opiniões e competências sociais, de modo formal e informal. Assim como a dinâmica do relacionamento familiar, as experiências escolares produzem forte impacto no desenvolvimento da criança e do adolescente.
A baixa auto-estima gera sofrimento e atrapalha o posicionamento do jovem no mundo. Estes jovens tornam-se vulneráveis, demonstrando com freqüência, sentimentos de inferioridade e insegurança, com tendência ao isolamento. Com isto, tendem a doenças emocionais e comportamentos de risco, inclusive de vida, o que segundo as autoras, justifica não apenas um olhar, mas ações efetivas de saúde pública.

Autora: Rosa Maria Araújo Mitre

quinta-feira, 11 de abril de 2013

SER (OU NÃO SER) FELIZ, EIS A QUESTÃO

 
A grande questão humana ainda é a felicidade. É possível encontrar a felicidade ou ser feliz é apenas uma ilusão? Conseguimos proceder com equilíbrio e harmonia quando existem diversas causas da infelicidade, como a dor e o sofrimento? Em Roma, o filósofo Sêneca já refletia sobre os infortúnios de nossa existência e os associava à crise de valores morais e ao conflito gerado por uma civilização que permitia os excessos no campo do prazer e do exercício do poder.
A instabilidade política afetou muito a vida de Sêneca. Ainda que tenha sido um sábio senador romano, sofreu diversas calúnias e foi exilado em Córsega pelo Imperador Cláudio César após um perseguição política. Quando retornou a Roma, tornou-se professor e depois conselheiro do Imperador Nero, que desde cedo mostrava os sinais de uma mente perturbada. Abandonou a carreira política em 62 d.C, três anos depois, Nero o condena ao suicídio; aceitou a morte injusta, colocando em prática o princípio estóico da ataraxia (imperturbabilidade).

Revista de Filosofia
Autor: Davi de Sousa Barbosa
Pg.43

terça-feira, 9 de abril de 2013

TRÊS CAUSOS

 
Embora ganhasse a vida como ourives, todos sabiam que ele, pela graça de Deus, nascera músico. Era justo, portanto, que todos o tratassem como “maestro” Tonico, seu nome completo sendo Antônio Martins de Araújo. Que não se tratava de figura lendária provam os seus instrumentos de trabalho que examinei pessoalmente, os de ourives, rústicos, mas, sobretudo, o diapasão fiel que continua hoje s vibrar o “lá” da mesma forma como o fez vibrar na cidade de Goiás Velho, lugar onde vivia o maestro. O que faz um músico não é o instrumento, é o ouvido, e o ouvido do maestro Tonico era perfeito.
Tão forte era a música no corpo do maestro Tonico que todos os seus seis filhos nasceram músicos. A explicação mais provável para essa aparente coincidência é que, talvez, no momento supremo do ato de amor, o maestro deveria estar sonhando com alguma música. Violino, clarineta, flauta, bandolim, cítara e violoncelo faziam uma bela orquestra doméstica. E essa era a felicidade suprema do maestro Tonico: ver os filhos juntos, afinados, tocando sob o comando da sua batuta.
Bach tinha algo em comum com o maestro Tonico. Era um modesto organista numa cidade do interior. Nunca teve fama ou reconhecimento. Um dos seus patrões se refere a ela, numa carta, como “músico medíocre”. Tinha por obrigação semanal compor peças sacras para a liturgia do culto luterano. Suas composições, uma vez executadas, eram esquecidas e guardadas em canastras e estantes em algum quarto da igreja. Surpreendido pela morte no meio da composição da Arte da fuga, ninguém ligou para o que deixara escrito. Seus manuscritos foram vendidos para um açougueiro que os usava para embrulhar carne. Mendelssohn, por acaso, foi comprar carne do tal açougueiro. Mas ele logo se desinteressou da carne, assombrado com o que Bach foi descoberto no lugar mais deprimente do mundo: embrulhando carne num açougue. Graças a Deus que Mendelssohn não era vegetariano!

Livro: As melhores crônicas de
Rubens Alves
Pg. 14/15

quinta-feira, 4 de abril de 2013

PARA UMA PÁSCOA SEM FIM

Clinicas de beleza oferecem tratamento de rejuvenescimento. Academias, malhações e fisioterapias que prometem milagres físicos. Grupos espiritualistas fazem terapias de renascimento. Todos desejam renovar-se a si mesmos e ás pessoas que amam. A tradição bíblica oferece a mística pascal como instrumento para uma renovação que atinge a pessoa e todo o universo.
Em tempos muito antigos, a Páscoa era dança da primavera que fazia as pessoas participarem da renovação da natureza no Hemisfério Norte. Mas mesmo no sertão do Nordeste do Brasil, essa é a época das tão esperadas chuvas e é costume cantar na Páscoa um hino que vem de séculos antigos: “Cristo ressuscitou, o sertão se abriu em flor, da pedra, água surgiu, era noite e o sol raiou, aleluia!” Essa esperança é o que as Igrejas cristãs celebram nessa semana pascal e ainda por 50 dias como se teimassem em transformar o cotidiano da luta em uma energia de festa permanente.
Na noite do sábado passado ou madrugada do domingo, na grande Vigília pascal, mais importante celebração da Igreja durante todo o ano, as comunidades escutavam um Evangelho que narra a corrida das mulheres, amigas de Jesus, ao seu túmulo, “na madrugada, quando o sol ainda não havia nascido” (Cf. Lc 24,1). Essa é a melhor imagem da Páscoa: uma madrugada ainda escura na qual temos certeza de um amanhecer esplendoroso e brilhante. Aurora de um mundo novo, presente do amor divino ao universo que se realiza em nós e toma a forma de uma organização social mais justa e fraterna.
Nesses dias, em Túnis, na Tunísia, homens e mulheres, cidadãos de vários países e ligados às mis diversas tradições religiosas ou a nenhuma, encerraram mais um fórum social mundial no qual tomaram como bandeira comum “um novo mundo é possível!” Essa palavra é a tradução civil e laical correspondente ao que os cristãos proclamam em sua fé: o Cristo ressuscitou realmente e assim Deus inaugurou nova criação da qual nós fazemos parte e somos chamados a ser testemunhas.

Autor: Marcelo Barros
Jornal: O Popular do dia 03/04/2013

quarta-feira, 3 de abril de 2013

DEUS

 
Fui ver o mar. Gosto do mar quando a praia está vazia da perturbação humana. Nas tardes, de manhã bem cedo. A areia lisa, as ondas que quebram sem parar, a espuma, o horizonte sem fim. Que grande mistério é o mar! Que cenários fantásticos estão no seu fundo, longe dos olhos! Para sempre incognoscível! Pense no mar como uma metáfora de Deus. Se tiver dificuldades leia a Cecília Meireles, Mar absoluto. Faz tempo que, para pensar sobre Deus, eu não leio os teólogos; leio os poetas. Pense em Deus como um oceano de vida e bondade que nos cerca. Romain Rolland descrevia seu sentimento religioso como “sentimento oceânico”. Mas o mar, cheio de vida, é incontrolável. Algumas pessoas têm a ilusão de que é possível engarrafar Deus. Freqüentemente as religiões se proclamam como fábricas de engafarrar Deus. Quem tem Deus engarrafado tem o poder. Como na estória de Aladim e a lâmpada mágica. nesse Deus eu não acredito. Não tenho respeito por um Deus que se deixa engarrafar. Prefiro o mistério do mar... algumas pessoas não gostam do que penso sobre Deus porque elas deixam de acreditar que suas garrafas religiosas contenham Deus...

Livro coisas da alma
Autor Rubens Alves  Pg. 9

ANSIEDADE E CARREIRA


Vivemos a cultura do consumo e do imediatismo, graças à era da informática e da internet. Não por acaso são freqüentes os profissionais que se preocupam em mudar de emprego com rapidez, em busca, principalmente, de melhores salários.
De acordo com Robert Half, empresa de recrutamento de recursos humanos, o mercado aquecido é situação perfeita para quem é competente e almeja um novo emprego, desde que sejam tomados certos cuidados. E o principal deles se refere à ansiedade em conquistar um lugar ao sol. A dica vale especialmente para a geração Y, afoita por uma rápida ascensão profissional e, normalmente, pouco preocupada com a constante mudança de empregos. Ficar seis meses em cada companhia pode até ser desafiador do ponto de vista pessoal, mas compromete a imagem do profissional junto ao mercado. Por isso, é importante analisar as propostas com serenidade e encarar a troca de trabalho como uma decisão estratégica, com consequência em longo prazo.
Nesse sentido, vale ressaltar que a remuneração é apenas mais um dos fatores, e não o principal, que pesam nessa decisão. Mudar de emprego de olho apenas em um salário mais gordo é um erro comum entre jovens profissionais. Hoje em dia, na hora da contratação, as companhias levam em consideração não apenas a expertise do candidato, mas também a forma como foi conduzida a sua carreira.

Autora: Andréia Calçada
Revista: Psique n°84 pg.30

terça-feira, 2 de abril de 2013

UM CASO INTERESSANTE

 
Embora ganhasse a vida como ourives, todos sabiam que ele, pela graça de Deus, nascera músico. Era justo, portanto, que todos o tratassem como “maestro” Tonico, seu nome completo sendo Antônio Martins de Araújo. Que não se tratava de figura lendária provam os seus instrumentos de trabalho que examinei pessoalmente, os de ourives, rústicos, mas, sobretudo, o diapasão fiel que continua hoje s vibrar o “lá” da mesma forma como o fez vibrar na cidade de Goiás Velho, lugar onde vivia o maestro. O que faz um músico não é o instrumento, é o ouvido, e o ouvido do maestro Tonico era perfeito.
Tão forte era a música no corpo do maestro Tonico que todos os seus seis filhos nasceram músicos. A explicação mais provável para essa aparente coincidência é que, talvez, no momento supremo do ato de amor, o maestro deveria estar sonhando com alguma música. Violino, clarineta, flauta, bandolim, cítara e violoncelo faziam uma bela orquestra doméstica. E essa era a felicidade suprema do maestro Tonico: ver os filhos juntos, afinados, tocando sob o comando da sua batuta.
Bach tinha algo em comum com o maestro Tonico. Era um modesto organista numa cidade do interior. Nunca teve fama ou reconhecimento. Um dos seus patrões se refere a ela, numa carta, como “músico medíocre”. Tinha por obrigação semanal compor peças sacras para a liturgia do culto luterano. Suas composições, uma vez executadas, eram esquecidas e guardadas em canastras e estantes em algum quarto da igreja. Surpreendido pela morte no meio da composição da Arte da fuga, ninguém ligou para o que deixara escrito. Seus manuscritos foram vendidos para um açougueiro que os usava para embrulhar carne. Mendelssohn, por acaso, foi comprar carne do tal açougueiro. Mas ele logo se desinteressou da carne, assombrado com o que Bach foi descoberto no lugar mais deprimente do mundo: embrulhando carne num açougue. Graças a Deus que Mendelssohn não era vegetariano!

Livro: As melhores crônicas de
Rubens Alves
Pg. 14/15

segunda-feira, 1 de abril de 2013

“Cântico negro”

José Régio

“Vem por aqui” – dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “Vem por aqui!”
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
 E cruzo o braços,
E nunca vou por ali [...]
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos [...]se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
[...]
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes pátria, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios [...]
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me diga: “Vem por aqui”! [...]
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

Livro: Um céu numa flor silvestre
Autor: Rubem Alves
Pg.137/138

CAMINHAR

 
Nas minhas caminhadas, esses objetivos louváveis e salutares são apenas efeitos colaterais. Não caminho por dever. Caminho por prazer. O que me dá alegria ao caminhar não são os possíveis benefícios médicos dessa prática, mas as excitações dos meus sentidos. Caminho para alegrar os meus olhos, os meus ouvidos, o meu nariz, a minha pele... caminho para fazer amor com a natureza.
É assim que caminho na Fazenda Santa Elisa. Quem caminha para chegar a algum ou para fazer exercício, isto é, quem caminha por razoes práticas, olha ou para a frente ou para o chão. Mas eu, que caminho por prazer, olho para todos os lados, para baixo e para cima.
Quem entende de caminhadas é Alberto Caeiro.
[...]
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Não é que ele estivesse vendo coisas não vistas. A coisa estava lá, ontem, e ele a viu. Mas, ao vê-la hoje, ela é outra... Porque os olhos mudaram. Alberto Caeiro tinha olhos de criança.
E dizia:
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Livro: Um céu numa flor silvestre
Autor: Rubem Alves
Pg.87/88