terça-feira, 23 de dezembro de 2014



Celebração do Natal
        No seminário representava-se um teatro com o nome de “O último Natal”. Tratava-se de uma história do tempo da Revolução Francesa. Em uma aldeia celebrava-se missa e primeira comunhão de um menino. No desenrolar da celebração apareceram os soldados para impedir a realização do culto e prender o padre.
       Os soldados na peça representada eram seis colonos italianos que inventaram o que eles chamavam de escopeta. Havia no seminário uns quinze fuzis que foram usados no tiro de guerra que tinha lá. E, acabando o curso, os fuzis por lá ficaram abandonados.
       Os ditos cujos encheram os canos dos fuzis com cera e usaram pólvora. Na hora de atirar para espantar os fiéis, um deles mirou baixo e acertou o queixo do menino que faria a primeira comunhão. O sangramento não foi pequeno. A platéia achava que fazia parte do teatro. Mas, os representantes tiveram que improvisar o curativo para o garoto em cena. A representação quase vira verdade de fato. Somente após o teatro é que se ficou sabendo o perigo que correu o garoto e como o uso de fuzis inadequadamente poderia ter provocado uma tragédia. A imaginação criativa constituiu mais do que uma imprudência. Os soldados quando usam esse tipo de enfrentamento com marginais ou com o próprio povo em multidão, têm causado feridas graves, como registram os meios de comunicação.
        Naquele tempo, anos quarenta, o acontecimento aqui registrado poderia ter-se constituído experiência inédita para a literatura de hoje, mas entre o povo da localidade constituía uma brincadeira, aliás de mau gosto.
       Anos depois durante a primeira guerra, o Exército ficou sabendo da existência dos tais fuzis no colégio, e como os padres eram italianos, imaginou-se uma resistência armada a favor dos italianos e o padre Diretor chegou a ser preso, mas logo foi solto quando se soube tratar-se de um santo amado pelo povo de toda redondeza.
    Teria sido o uso dos fuzis na representação teatral e o incidente então ocorrido o fato gerador do procedimento militar? Não se ficou sabendo, mas a ligação entre os dois acontecimentos, no mínimo deixou dúvida.

Autor: Paulo Motta
Livro: Memórias de um seminarista
Livraria Nobel

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