Celebração do Natal
No
seminário representava-se um teatro com o nome de “O último Natal”. Tratava-se
de uma história do tempo da Revolução Francesa. Em uma aldeia celebrava-se
missa e primeira comunhão de um menino. No desenrolar da celebração apareceram
os soldados para impedir a realização do culto e prender o padre.
Os
soldados na peça representada eram seis colonos italianos que inventaram o que
eles chamavam de escopeta. Havia no seminário uns quinze fuzis que foram usados
no tiro de guerra que tinha lá. E, acabando o curso, os fuzis por lá ficaram
abandonados.
Os
ditos cujos encheram os canos dos fuzis com cera e usaram pólvora. Na hora de
atirar para espantar os fiéis, um deles mirou baixo e acertou o queixo do
menino que faria a primeira comunhão. O sangramento não foi pequeno. A platéia
achava que fazia parte do teatro. Mas, os representantes tiveram que improvisar
o curativo para o garoto em
cena. A representação quase vira verdade de fato. Somente
após o teatro é que se ficou sabendo o perigo que correu o garoto e como o uso
de fuzis inadequadamente poderia ter provocado uma tragédia. A imaginação
criativa constituiu mais do que uma imprudência. Os soldados quando usam esse
tipo de enfrentamento com marginais ou com o próprio povo em multidão, têm
causado feridas graves, como registram os meios de comunicação.
Naquele tempo, anos quarenta, o acontecimento aqui registrado poderia
ter-se constituído experiência inédita para a literatura de hoje, mas entre o
povo da localidade constituía uma brincadeira, aliás de mau gosto.
Anos
depois durante a primeira guerra, o Exército ficou sabendo da existência dos
tais fuzis no colégio, e como os padres eram italianos, imaginou-se uma
resistência armada a favor dos italianos e o padre Diretor chegou a ser preso,
mas logo foi solto quando se soube tratar-se de um santo amado pelo povo de
toda redondeza.
Teria
sido o uso dos fuzis na representação teatral e o incidente então ocorrido o
fato gerador do procedimento militar? Não se ficou sabendo, mas a ligação entre
os dois acontecimentos, no mínimo deixou dúvida.
Autor: Paulo Motta
Livro: Memórias de um seminarista
Livraria Nobel
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