As Mil e Uma Noites
Estou me entregando ao
prazer ocioso de reler As mil e uma noites. O encantamento começa com o título
que, nas palavras de Jorge Luis Borges, é um dos mais belos do mundo. Segundo
ele, a sua beleza particular se deve ao fato de que a palavra mil é, para nós,
quase sinônimo de infinito. "Falar em mil noites é falar em infinitas
noites. E dizer mil e uma noites é acrescentar uma além do infinito."
As mil e uma noites são a estória de um amor - um amor que não acaba nunca. Não
existe ali lugar para os versos imortais do Vinícius (tão belos que o próprio
Diabo citou em sua polêmica com o Criador) : "Que não seja eterno, posto
que é chama, mas que seja infinito enquanto dure..." Estas são palavras de
alguém que já sente o sopro do vento que dentro em pouco apagará a vela:
declaração de amor que anuncia uma despedida.
Mas é isto que quem ama não aceita. Mesmo aqueles em quem a chama se apagou
sonham em ouvir de alguém, um dia, as palavras que Heine escreveu para uma
mulher: ''Eu te amarei eternamente e ainda depois." É preciso que a chama
não se apague nunca, mesmo que a vela vá se consumindo. A arte de amar é a arte
de não deixar que a chama se apague. Não se deve deixar a luz dormir. É preciso
se apressar em acordá-la (Bachelard). E, coisa curiosa: a mesma chama que o
vento impetuoso apaga volta a se acender pela carícia do sopro suave...
As mil e uma noites são uma estória da luta entre o vento impetuoso e o sopro
suave. Ela revela o segredo do amor que não se apaga nunca.
Rubem Alves
Livro: A melhores Crônicas
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