terça-feira, 11 de novembro de 2014

Qual a maior das riquezas que podemos ter?

O que vem a ser o conhecimento de si? Como isso nos permite possuir a nós mesmos?
Quando falamos sobre ter a posse de algo, dizemos, por meio dessa expressão, que temos o domínio de uma realidade determinada, que somos o seu proprietário e, por isso, podemos decidir o que bem entendermos dela. Nada mais natural, afinal de contas, esse é o sentido usual dessa expressão. Entretanto, o título de nosso artigo – “Possuir a si mesmo”–, não deseja expressar que tal domínio deva então ser exercido sobre nós mesmos ou sobre nossas vidas. Muito menos que por essa posse exerçamos sobre nós um tamanho controle que estaríamos em condições de conduzir o rumo de nossas vidas da maneira como queremos, trazendo-nos uma suposta segurança, paz e certa estabilidade.

Na verdade, quando se evoca esse assunto da posse de si, dentro de um contexto de vida cristã, quer-se falar sobre a realidade do autoconhecimento, que nos levará a nos possuirmos. Não para que controlemos tudo; pelo contrário, para que Deus seja o norte de nossas vidas. O que vem a ser, então, o conhecimento de si? Como isso me permite possuir a mim mesmo? Antes de tudo, o conhecimento de si é um instrumento, um meio para se chegar a um fim e não o fim em si mesmo.
O autoconhecimento, pelo qual muito se interessou os padres da Igreja e o monaquismo, sempre foi um tema explorado pelos santos como um ponto de partida, a fim de propiciar uma maior união com Deus, e assim poder amá-Lo e os nossos próximos. Deus sempre foi e é o fim, o objetivo, o motivo pelo qual tantos homens e mulheres buscaram se lançar nesta aventura de se conhecer mais profundamente. Também para eles somente em Deus o homem pode se conhecer. É isso que move, por exemplo, Santa Teresa de Jesus, reformadora do Carmelo, do século XVI, e doutora da Igreja. Para ela, o autoconhecimento não nos é útil senão para estarmos mais intimamente unidos a Deus, a quem realmente amamos e desejamos amar mais intensamente. E é por isso que ela chega a dizer que no caminho rumo a uma união íntima com o Senhor, o conhecimento de si “é o pão com que todos os manjares devem ser comidos” e, logo em seguida, que “pão sem o qual ninguém poderia se sustentar”1. Dessa forma, Deus torna-se ao mesmo tempo o objetivo e o princípio do conhecimento de si. Sendo assim, viver uma simples observação de si, por mais intensa e profunda que seja, se não for para proporcionar um maior amor a Deus e aos irmãos, não tem sentido em si mesmo.
Ao mesmo tempo, somente em Deus o homem tem a luz necessária para se conhecer e recebe dele a graça para corresponder ao Seu amor. Isso se dá, pois o homem, imagem e semelhança do Pai, foi criado para participar da vida de Deus e de Seu amor. Com isso, somente quando o homem está em Deus ele encontra o caminho para si próprio. E essa luz, que vem do Senhor, é fonte não somente de conhecimento de mecanismos interiores, mas também é possibilidade de aceitação de quem somos diante d’Ele. Trata-se de uma espécie de revelação feita por Ele a nós mesmos: descobrimos, a cada dia, quem somos diante de Deus. Isso é fundamental! Santa Teresinha do Menino Jesus e a Santa Face, que compreendeu essa verdade profunda, afirmou: “Eu sou aquilo que Deus pensa de mim”.
A explicação disso pode parecer, à primeira vista, um tanto quanto complicada, mas, na realidade, é mais simples do que parece. Segundo Santa Teresa, sendo Deus fonte da ordem e da verdade, esses dois elementos precisam constituir a base de nossa relação com Ele. E com isso, essa relação deve, ao mesmo tempo, manifestar o que Ele é e o que nós somos. Ora, Deus é o Criador de todas as coisas, ser infinito, “Aquele que é” (cf. Ex 3, 14). Nós, seres finitos e criaturas d’Ele, dependentes d’Ele em tudo. Entre Deus e nós um abismo infinito nos separa. Um abismo que só pode ser “diminuído” se estivermos n’Ele, socorridos por Sua graça. E essa experiência com o Senhor nos revela quem somos, pois ao olhar para este abismo, a alma aprende, através de uma impressão vaga, porém real, quem ela é diante do infinito. Vejamos que se trata muito mais de um dom divino do que simplesmente o resultado de esforços pessoais. O esforço para se perceber e identificar nossa verdade é importante. Porém, todo esse trabalho precisa estar submetido a Deus e ser guiado por Ele. Santa Teresa considera como que revestidas de uma certa realeza as almas que, tendo feito essa experiência de Deus, perceberam algo deste abismo do infinito divino, fruto de um instante vivido nesta iluminação sob a influência do amor divino.
Como fruto dessa experiência vivida sob ação da graça, o homem vai progressivamente tomando conhecimento de quem é e de sua condição de criatura pobre e dependente. É dessa maneira que devemos compreender a posse de nós mesmos: conhecimento do tudo de Deus e do nada do homem. Assim, conhecemos o que somos e o que devemos nos tornar. À medida que conhecemos cada vez mais quem somos, com nossas fraquezas, necessidades, dons e qualidades, passamos a ter uma visão mais real e verdadeira de nós mesmos. Isso é o que Santa Teresa chama de humildade: porque “ (…) sendo Deus a suma Verdade, e a humildade andar na verdade, eis a razão de sua importância.”2. Essa humildade gerada na alma acaba nos centrando na verdade a cerca de nós mesmos, e nos permite nos posicionarmos de maneira mais justa nas nossas relações com os outros. Com isso, naturalmente estamos mais abertos e aptos para acolhê-lhos e amá-los em Deus.

Autor: André L. Botelho de Andrade

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