sexta-feira, 7 de novembro de 2014



A JUSTIÇA E A PAZ 


E o efeito da justiça será a paz, e a operação da justiça, repouso e segurança para sempre. (em latim “opus justitiae pax”) Is. 32,17
Sl.85,11- A justiça e a paz se abraçarão
Sl. 98(99),4 – A força de um rei  é amar o direito; tu firmaste a equidade em Jacó, direito e justiça tu firmaste.
            As palavras JUSTIÇA, DIREITO, EQUIDADE E PAZ são encontradas em todos os textos bíblicos como atividade de Deus no mundo dos homens. No profeta Isaias a frase é lapidar: A PAZ É CONSTRUÇÃO DA JUSTIÇA, é uma síntese bíblica da vida social dos homens em busca de sua realização pessoal e social.
            No campo jurídico desde o jurisconsulto romano Julpiano entende-se por justiça a constante e firme vontade de dar a cada um o que é seu. Tal definição além de retratar a justiça como virtude humana, apresenta a idéia nuclear desse valor: dar a cada um o que é seu. Tal definição é válida para todas as épocas e lugares porque não define o SEU de cada pessoa. Varia sim o que deve ser atribuído a cada um. O seu representa algo que deve ser  entendido como próprio da pessoa. A idéia de justiça era a pedra angular do sistema filosófico de Platão, que via nos seres humanos diferenças outorgadas pela natureza e então que os homens se conformassem com os afazeres que lhes incumbia pela sua natureza que não os criara iguais, mas dotados de diferenças que ditavam seus trabalhos. Foi com Aristóteles que a idéia de justiça alcançou o seu entendimento mais rigoroso e preciso e perdura até nossos dias. A equidade é a aplicação da justiça no caso particular, levando-se em consideração as diferenças pessoais. Não pode ser entendida como justiça doce, misericordiosa. È sim a aplicação da justiça no caso concreto, levando-se em consideração o que há de particular na relação interpessoal. Justiça é síntese dos valores éticos. Onde se pratica justiça respeita-se a via, a liberdade, a igualdade de oportunidades. Praticar justiça é praticar o bem nas relações sócias. A justiça é umas das primeiras verdades que afloram ao espírito. Não é uma idéia inata, mas se manifesta já na infância, quando o ser humano passa a reconhecer o que é seu. ( lição de Paulo Nader em sua obra” Introdução ao Estudo do Direito”). 
            No sua obra “Justiça e democracia” John Rawls ao falar sobre a busca de justiça nas democracias,escreve:”Se definirmos classicamente a justiça como busca de soluções negociadas, não violentas, para os conflitos que não cessam de renascer no seio da sociedade e até mesmo são ampliados pelas liberdades que nela reinam, vemos então que a idéia de uma comunidade política, unificada pela sua cultura e suas crenças, é exatamente o oposto disso. Reconheço como inseparável do desenvolvimento das democracias a existência de um mundo definitivamente dividido, mas isso  não nos deve levar a renunciar à idéia de um objetivo comum, de valores compartilhados que estão no centro de nossa identidade pública e lhe dão um sentido. Com a condição de definirmos esses valores como políticos, eles são compatíveis com a democracia e alimentam a nossa adesão a ela....As regra de arbitragem e de justiça que nos devem governar podem ao mesmo tempo vincular-se às nossas convicções morais do que é uma democracia e serem independentes de qualquer doutrina particular e necessariamente exclusiva. A teoria da justiça pode restituir-nos  o nosso senso de cidadania e definir o novo lugar do político. Porém, com a condição de redefinirmos  o que é político” (convivência harmoniosa na polis).
            A convivência entre os homens só pode ser considerada bem constituída, fecunda e condizente com a dignidade humana quando fundada sobre a verdade, reconhecendo cada um seus direitos e seus deveres para com os demais. A comunidade humana só se firmará quando os cidadãos guiados pela justiça se derem ao respeito dos direitos dos outros enquanto cobra seu próprios direitos, havendo destarte a participação de todos nos bens produzidos; entre esses bens os que dizem respeito à cultura, à ordem jurídica.Os antigos definiam a paz como a tranqüilidade da ordem. Ela é a aspiração fundamental de todos os homens, de toda humanidade, quase se confundindo com felicidade. A paz tem uma dimensão interna, moral e psíquica e também uma dimensão social. Em “Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo de Fernando Bastos de Ávila SJ).
            Entre os judeus, PAZ é uma saudação “Shalom”, que não é propriamente paz como é conhecida pela maioria dos outros povos. A palavra significa inteiro, completo. Do que podemos tirar uma importante lição: para alcançarmos paz dentro de um povo precisamos estar inteiros, isto é unir as forças de todos, não deixar ninguém de fora. E assim se espera que Deus abençoará seu povo com a paz. A raiz da palavra “shalom” traduz a idéia de não termos dívidas, sejam elas da espécie que forem, financeiras, promessas, compromissos, deveres religiosos ou morais, para conseguirmos a paz. Através da análise da palavra podemos ir bem mais além, no seu conteúdo, como saúde, prosperidade,inteireza, integridade, harmonia, realização. Enfim, relacionamentos não abalados com outras pessoas e de desejo de sucesso às  pessoas nas suas empreitadas.
            Reconhecemos que o sonho bíblico, Justiça construtora da paz é um verso que festeja a utopia humano-divina, no dizer de Haroldo Reimer, comentando a Campanha da Fraternidade/96.
            O salmo 85 aqui citado no começo tem um desenvolvimento nos versículos 9-14. Assim:
“amor e verdade se encontrarão,
Justiça e Paz se abraçarão,
Da terra brotará a Verdade,
E a Justiça se inclinará do céu.
O próprio Deus dará o que é bom
E a nossa terra dará o seu fruto.
A Justiça caminhará adiante dele
E suas pegadas, ela transforma em caminhos.”
            A paz social só pode resultar de um relacionamento entre pessoas, grupos e nações fundado na justiça. Só este relacionamento constitui propriamente uma ordem, da qual a paz é a resultante mais autêntica. A humanidade a duras penas vem aprendendo que enquanto existir fome e miséria persistirá uma desordem radical, fruto egoísmo das pessoas e das nações. Não haverá paz enquanto não houver para todos condições concretas para atingir níveis de vida compatíveis com a dignidade humana. Não poderá haver paz construída sobre a frustração de milhões de seres humanos iguais em dignidade aos que desfrutam de todos requintes da cultura.Mas não é na revolução que se há de concretizar a justiça. A violência só e sempre destrói, nada constrói. Só excita paixões, nunca as aplaca, só acumula ódio e ruínas, nunca a fraternidade e a reconciliação. A revolução sempre \precipitou homens e partidos na dura necessidade de ter que reconstruir lentamente, após dolorosos transes, por sobre os escombros da discórdia (Pio XII).
            Para concluir como começamos citaremos o profeta Isaías, 52,7:
            “como são belos, sobre os montes,os pés do mensageiro que anuncia a Paz”.
            No capítulo 56,1 o profeta nos adverte: “Observai o direito e praticai a Justiça porque a minha salvação está prestes a chegar e a minha Justiça a se manifestar”.
            Sobre a busca da Paz através da luta pela Justiça, o Evangelho, no pórtico das pregações de Jesus Cristo, nas Bem-aventuranças, está escrito em Mt. 5,9-10:
                                   Bem-aventurados os que procuram a Paz,
                                   Bem-aventurados os perseguidos por causa da Justiça.
            A prática da Justiça objetivando a Paz é então o ideário dos homens de bem, é a função do Estado na busca do serviço em prol do bem comum.            
                                                                                  Paulo Motta.
                                                                                    

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