O ônus da vitória
Se o governo já não venceu na noite de ontem ou na madrugada de hoje a
votação no Congresso do projeto de lei que o livra da responsabilidade
de cumprir meta de gastos, o objetivo será alcançado amanhã ou depois.
Questão numérica: o Planalto tem maioria e a base governista – com
destaque para o maior e mais problemático partido, o PMDB – decidiu que o
tema e o momento não são adequados para o tradicional jogo de estica e
puxa quando há clima de tensão (como é o caso) entre Executivo e
Legislativo.
Muito fácil concluir que deputados e senadores
aliados disseram “sim” ao texto do relator Romero Jucá na votação
segunda-feira na Comissão Mista de Orçamento em troca de cargos em
ministérios ou liberação de verbas de emendas. Ocorre que não há postos
para satisfazer a todos nem dinheiro para distribuir, conforme admitido
pelo conteúdo das recentes medidas, inclusive dessa ora em pauta.
Qual a razão, então, de suas excelências ficarem assim tão
comportadas? Uma só: não tinham para onde correr. Ou aprovavam a mudança
na Lei de Diretrizes Orçamentárias ou o governo pararia de fazer
repasses a estados e municípios e pagar contratos com empresas. Além
disso, deixariam a presidente Dilma Rousseff sujeita a mais dia menos
dia vir a responder por crime de responsabilidade.
Tudo isso serviu de pressão sobre os parlamentares que receberam
telefonemas de prefeitos, governadores, empresários e fizeram a seguinte
conta: o estrago já está feito, as contas públicas foram para o espaço,
a credibilidade do governo foi ao chão. Interna e externamente. Então, a
única coisa a fazer seria engolir o sapo, explicar à consciência (para
os que dispõem do equipamento) que o ato é pelo bem do Brasil e dar a
mudança da lei de presente ao Planalto.
Não o fizeram, porém, sem ônus. Durante toda a sessão da Comissão de
Orçamento ouviram a oposição lhes dizer umas boas verdades: que aquele
projeto representava uma transgressão legal e sua aprovação, o aval do
Congresso à ilegalidade; que a base parlamentar governista era
fisiológica, submissa, vendida e fiadora de uma trapaça engendrada pelo
Poder Executivo para esconder sua irresponsabilidade no trato do
dinheiro público.
Sobre a presidente Dilma falou-se de tudo: impeachment, desgoverno,
estelionato eleitoral. E os integrantes dos partidos de sua base aliada
calados. Das 20h até pouco mais de meia-noite a pancadaria transcorreu
pesada e sem defesa. Motivo alegado: havia urgência para a aprovação do
Congresso e se os governistas respondessem à oposição perderiam tempo.
Uma verdade pela metade. Sangue frio tem limite. A menos que se sabia
perfeitamente o quanto é indefensável o que se defende. É quando entra
em cena e fala mais alto para calar mais fundo o constrangimento.
Passo a passo
Outra razão para o PMDB se aliar ao Planalto na extinção da meta do
superávit fiscal de 2014: não jogar a candidatura do deputado Eduardo
Cunha à Presidência da Câmara no campo explícito da oposição. Não que
isso vá convencer o governo de que Cunha seria, no exercício do cargo,
um aliado incondicional. Apenas para não dar pretexto para que os
tratores do Executivo comecem a funcionar desde já. De outro lado, há um
problema se o governo interferir com muita força: a reação dos
“atropelados” a partir do dia da eleição e durante os dois anos
seguintes.
Memória seletiva
A senadora Kátia Abreu, indicada para o Ministério da Agricultura, em
2007 foi relatora da proposta de derrubada da CPMF na Comissão de
Constituição e Justiça. O fim do imposto do cheque foi a maior derrota
do governo Lula, usada na campanha de reeleição de Dilma para acusar
Marina Silva e Aécio Neves de terem contribuído para “retirar recursos
da saúde”.
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