segunda-feira, 29 de junho de 2015

Dum dum no cemitério

          Dois padres novos, colegas de seminário, foram a um povoado para desobriga na época da páscoa.
          Depois de atender confissões e tomar um lanche, dois bons paroquianos mostraram-lhes os quartos onde passariam a noite. Uns quinhentos metros atrás da capela, ao lado do cemitério local.
          Mostraram a bacia de água para se lavar e para estranheza dos padrecos uma vasilha com sabugos, eram o papel higiênico. Antes de dormir procuraram o lavatório. Um deles saiu com vela e foi procurar. Voltou depois de usar o lavatório e ensinou o caminho para o companheiro. Você atravessa o cemitério e encontrará a latrina. É uma fossa com tábuas cobrindo. Leve sabugos se precisar. O companheiro ficou admirado da coragem do bandeirante que descobriu a mina. Pensou bem e disse: Amanhã eu vou fazer minhas necessidades. Urinar, eu vou ali ao lado e faço como cachorro.
          Apagadas as velas, barulho de morcegos... e agora esses bichos vão nos chupar sangue? Um deles, tirando a lição de sua vida na roça, viu uma vara de pescar e começou a agitar. Pelo menos três morcegos caíram mortos. Afinal era preciso dormir. Vamos fingir que não ouvimos nada. Mas na janela havia sim um barulho constante que não era de batida. Ignoramos. O sono era pesado. Um batido insistente bem mais tarde obrigou os hóspedes a levantar depois de noite mal dormida. Eram já sete horas da manhã e a missa era às sete e meia e já havia gente esperando os padres na igreja.
          E a higiene matinal? Agora o sol já nascera, os mortos não iriam incomodar, o caminho do dum-dum podia ser usado sem medo. Foi o que foi feito pelo outro padre prudente que não se arriscara a visitar o cemitério de noite e se aguentou até o dia clarear e ter certeza que os mortos estavam todos enterrados.
Procurando saber a causa do barulho noturno na janela ficaram sabendo que um cavalo havia se coçado lá. Não havia mula sem cabeça...

          Senhores, tudo isso eu vi e senti; eu era um desses padres aqui descritos!

Contos de Paulo Motta
Livro: Memórias de um seminarista

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