Todos os animais nascem de uma
vez por todas e vivem de acordo com sua natureza e seu instinto. O ser humano é
diferente, seu nascimento é incompleto, não nascemos por completo, não nascemos
totalmente. A cada momento da vida temos de enfrentar a fadiga de gerarmo-nos
de novo ou sermos gerados. A água é o ambiente perfeito para o peixe e o ar o
espaço feito para os pássaros, mas nenhum mundo se adapta perfeitamente ao ser
humano.. Por mais que nos esforcemos, somos sempre, de certa forma, incapazes
de nos adaptar. Nenhum sistema consegue nos prender de forma absoluta. Essa é
nossa riqueza maior, e ao mesmo tempo, nosso tormento. Como nunca nascemos
totalmente somos sempre chamados a criar um mundo novo e a parir incessantemente
em nós um ser novo e no mundo um ambiente que acolha e favoreça essa humanidade
renovada.
Alguns caminhos espirituais,
principalmente no Oriente, desiludidos da possibilidade desse caminho novo,
procuram desnascer, ou seja, anular o nascimento e atingir o nada, em uma
espécie de aniquilamento do eu, fusão no Bhrama eterno e coletivo dos
hinduístas, ou no Nirvana budista. No Ocidente, Maria Zambrano, grande filósofa
espanhola do século 20, afirmava: “A esperança é fome de nascer de todo, de
completar aquilo que dentro de nós, de forma apenas esboçada, carregamos. Nesse
sentido, a esperança é a substância da nossa vida, a sua dimensão mais
profunda, como o fundo de um poço. Graças a ela, somos filhos e filhas dos
nossos sonhos, daquilo que não vemos e não podemos verificar. Assim, confiamos
a nossa vida a algo que não existe ainda, a uma incerteza. Por isso e para
isso, temos tempo. se fôssemos já
totalmente formados e completos, não teria sentido consumi-se nesse esforço”.
Essas palavras da filósofa veem a
tarefa do renascimento como esforço humano de sempre renovar-se interiormente.
Judaísmo, Cristianismo e Islã creem que o renascimento é pura graça divina que
a pessoa recebe pelo amor. Esse acolhimento supõe uma abertura interior e se
expressa através de um esforço para se viver isso na relação consigo mesmo e
com os outros. A pessoa aprende a renascer interiormente através da solidariedade
e do esforço concreto em função da justiça social e da construção de um mundo
novo possível.
Quando nos abrimos ao outro e
saímos de nós mesmos para servir e nos consagrar aos outros, nos encontramos a
nós nessa construção à qual Jesus se referiu ao afirmar: “Quem quer salvar a
sua vida para si mesmo a perderá e quem aceita perdê-la, por amor de mim, a
salvará” (Lc 9,24).
Jornal: O Popular do dia 31/07/13
Autor: Marcelo Barros (abade beneditino)
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