Para variar, começo com uma piada. Na fronteira entre México e Estados Unidos.
O policial observa um homem andando de bicicleta atravessar para seu país com uma caixa equilibrada sobre o guidão. Cioso com a fiscalização, ele pede que o ciclista pare e abra a embalagem. Após constatar que ali dentro há apenas areia, o fiscal permite que o outro siga. No dia seguinte, novamente o rapaz passa de bicicleta, o policial o interrompe, encontra só areia dentro da caixa. A cena se repete no três meses seguintes. Passados alguns anos, o policial, já aposentado, vê o homem em uma loja e diz: “Olha amigo, você me deixou intrigado por muito tempo, entrando e saindo do país com uma caixa onde havia apenas areia. Afinal, o que estava contrabandeando?”. O outro hesitou, desconfiado, mas por fim respondeu: “Bicicletas”.
A anedota ilustra uma forma criativa de pensar sobre a situação que pode
nortear uma perspectiva capaz de escapar do convencional: “Certo, vejo a
‘areia’ (o óbvio), mas onde está a ‘bicicleta’ (aquilo que passa
despercebido)?”.
A expressão “pensar fora da caixa” está relacionada á possibilidade de
fugir do padrão, do convencional – o que implica ter novas idéias. Há
referências de que tenha sido popularizada quando a Disney lançou um quebra-cabeça
intelectual. A proposta é ligar nove pontos desenhando quatro retas, linhas
contínuas que passam por cada um deles, sem levantar o lápis do papel. O dilema
pode ser facilmente resolvido se a pessoa desenhar as linhas fora dos limites
da área do quadrado definido pelos pontos.
No começo da década de 80 o pesquisador Robert Sabga, da Universidade de
Toronto, estudou técnicas de solução de problemas, referindo-se ao “pensamento
paralelo” – e recorreu à piada do homem da bicicleta, reforçando a metáfora da
“caixa”.
Hoje, muitos estudiosos apostam que é possível aumentar o potencial
criativo e tornar os bem-vindo insights mais freqüentes. Exercitar a capacidade
de colocar-se no lugar do outro (e conseqüentemente obter assim outras visões
de mundo), tirar um tempo para simplesmente se divertir sem se preocupar com os
problemas e valorizar idéias alheias, apoiando-se nelas para construir as
próprias soluções pode ser surpreendentemente útil. A predisposição de
incrementar a criatividade é por si só, uma atitude criativa e fundamental não
apenas no trabalho, mas na vida, de forma geral. Para os psicanalistas Donald
Winnicott e Melanie Klein, por exemplo, a capacidade criativa está associada a
processos psíquicos complexos, que favorecem a saúde mental. O maior
aprendizado talvez seja mesmo pensar diferente, olhar com “olhos de ver”,
aquilo que já notávamos que havia.
Autora: Gláucia Leal
Revista: mente Cérebro pg. 3