Numa Igreja, assim, de “cara nova”, tinha de nascer também
uma liturgia de “cara nova”:
. uma liturgia “caseira”, doméstica; mais espontânea e
familiar, viva e criativa;
. uma liturgia assumida pelos leigos e leigas;
. uma liturgia ligada com a vida, expressão da caminhada do
povo, fonte de onde brota e esperança e a fé para continuar a luta pela
libertação e pela cidadania:
É a celebração dos acontecimentos bonitos da vida, sinais da
graça de Deus no meio de nós: nascimentos, aniversários, bodas de prata,
recuperação de doença [...]. É a celebração de solidariedade e conforto, nos
momentos duros e difíceis: doenças, mortes, desemprego [...] É a celebração da
resistência e esperança, quando a comunidade se sente desafiada na sua tarefa
profético-transformadora e enfrenta, concretamente, as forças da dominação e
opressão: nos despejos, nas lutas de bairro, nas perseguições políticas, nas
lutas sindicais;
. uma liturgia que expressa o conflito social que marca
dolorosamente a vida do pobre, vítima das injustiças, vítima da cobiça e da
violência dos grandes;
. uma liturgia que celebra Jesus Cristo a partir da vida;
que festeja e agradece a Deus e ao Cristo Libertador pelas conquistas do povo,
pequenos sinais da chegada do Reino entre nós;
. uma liturgia de compromisso com Deus na comunidade, para a
construção de uma sociedade justa e fraterna;
. uma liturgia popular que assume a cultura do povo: o modo
de falar, de pensar, de enfeitar, de rezar, de cantar, de tocar, de adorar...;
. uma liturgia atenta à advertência dos profetas que, em
nome de Deus, rejeitam liturgias alienadas:
Vejam também: Isaías 58; Miquéias 6,6-8; Eclesiástico
34,18-22.
As comunidades gostam de celebrar. Celebram e rezam muito...
Qualquer tipo de acontecimento se torna uma ocasião para reunir o povo e rezar:
as festas da liturgia oficial, as festas da religiosidade popular, a Campanha
da Fraternidade, o enterro de mais um mártir...
Entre essas muitas celebrações existe uma, toda especial, à
qual será dedicado este livro: a celebração do domingo. A equipe de liturgia da
Arquidiocese de Vitória, no Espírito Santo, constata, depois de longos anos de
experiência: “ Sempre dizemos que através da celebração dominical de uma
comunidade se conhece sua dinâmica, seu grau de consciência e compromisso, a
intensidade de sua fé”.
Mas, afinal, por que a celebração do domingo é tão
importante para uma comunidade? A seguir, vamos tentar lembrar o que
significava o domingo para os primeiros cristãos e o que deve significar para
nós.
Domingo, dia do Senhor
No tempo de Jesus não existia o domingo. Só havia o sábado,
que era o dia em que ninguém trabalhava. Um dia em que se realizava o mínimo de
atividades. Um dia de descanso também para os escravos e os animais. Um dia
dedicado ao Senhor Deus que criou todas as coisas e fez aliança com seu povo.
Em Deuteronômio 5,12-15, o descanso do sábado é também
relacionado com o fim da escravidão no Egito: é um dia para lembrar e viver a
libertação:
Infelizmente, com o tempo, o sábado se tornou um fardo na
vida do povo. Por isso, Jesus criticou bastante a maneira como se interpretava
a lei so sábado em sua época e não a respeitava, quando estava em jogo a saúde
ou a vida de uma pessoa. Jesus defendeu seus discípulos que colhian espigas em
dia de sábado porque estavam com fome (Mateus 12,1-8; Marcos 2,23-28; Lucas
6,1-5). Em dia de sábado, Jesus curou uma pessoa que estava com a mão atrofiada
(Mateus 12,9-14; Marcos 3,1-6; Lucas 6,6-11). Curou uma pessoa que estava
possessa pelo demônio (Marcos 1,21-28) e outra com braços e as pernas inchados
(Lucas 14,1-6). Curou também uma mulher que havia dezoito anos andava curvada
sem conseguir se levantar (Lucas 13,10-17).
Mas, fazendo assim, Jesus estava voltando ao sentido
original do sábado. Por isso ele dizia: “O sábado foi feito para o homem e não
o homem para o sábado.” Ou seja: o sábado deve ajudar o homem a se libertar, a
festejar a libertação e a louvar o seu Deus. Jamais deve ser usado para
acorrentar o ser humano e escravizá-lo de novo, em nome desse mesmo Deus.
Depois da morte de Jesus, seus discípulos, como bons judeus
que eram provavelmente, durante um bom tempo continuaram a observar o
sábado.Mas o dia seguinte, que era o primeiro dia da semana, aos poucos foi
tornando-se para os cristãos um dia muito mais importante que o próprio sábado.
Ione Buyst
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