quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

OLHAR DEVAGAR
 
em Minas Gerais nós temos uma expressão redundante que usamos o tempo todo. Quando ficamos indignados com alguma coisa, dizemos: “Olha procê vê!”. Traduzindo, essa junção de palavras é a mistura da preposição para, com o pronome você, transformados em “procê” com os verbos “olhar e ver”. É como se nós quiséssemos chamar atenção, salientar, que, se quisermos ver, teremos que olhar bem.
É verdade. Nem sempre aquele que olha vê. Porque ver é um pouco mais que olhar. Há pessoas que até olham, mas não veem. Os mineiros sabem disso. É por isso que exclamam sempre a redundância que alerta para a necessidade de olhar devagar para as coisas.
Olhares apressados veem pouco. Quem não demora no que vê se limita a esbarrar na imagem. Penso no mistério do olhar que demora, daquele que não se apressa para ver. É dom escasso nos dias de hoje. O mundo repleto de atrativos nos faz querer ver tudo ao mesmo tempo. neste tempo de correrias intermináveis, nós perdermos o dom de olhar as coisas, as pessoas e os fatos com a calma que lhes são merecidas.
Há momentos da nossa vida em que o olhar demorado acontece mais naturalmente. Quando a maternidade e a paternidade chegam na vida do casal, por exemplo, o filho recém-nascido ao colo provoca-lhes o desejo de contemplar a obra de suas vidas. Olham com calma a cria de suas carnes. Olham querendo decorar suas feições. Olham querendo descobrir o que deles e dos seus está impresso na nova criatura. Alguns pais e mães não desaprendem de olhar com calma os filhos, mas há outros que perdem logo o costume.
Olhar apressadamente dificulta o crescimento apressadamente dificulta o crescimento do amor. Só a calma da contemplação nos faz perceber o que as palavras não contam. A intimidade se constrói com os olhos. Quando não existe, ainda que o outro esteja ao lado, nós o perdemos de vista.
O poeta já dia que o silêncio só é suportável àqueles que se amam. É verdade. Podemos medir o quanto somos íntimos é depois que já esgotamos as nossas falas. Se depois das palavras o assunto não continuar nos olhos, então estamos longe de sermos íntimos. A intimidade é fruto do muito observar. E ser íntimo é desenvolver uma linguagem em que não cabem equívocos. Você tem até o direito de dizer que não entendeu nada do que o outro lhe disse, mas jamais poderá dizer que não entendeu o jeito como ele olhou para você. Os olhos não mentem.
Eu fico pensando nos grandes desafios de ser pai e de ser mãe nestes tempos de tantas correrias. Fico pensando no desafio de estabelecer laços fecundos nestes tempos tão marcados pelas relações superficiais.
A vida tem me ensinado. Laços duradouros nem sempre são laços sanguíneos. Ser parente de alguém não representa muita coisa quando o assunto é intimidade, cumplicidade, duração. Por vezes, experimentamos mais profundidade e abertura com um amigo do que com o próprio irmão de sangue.

Pe. Fábio de Melo

Livro: É sagrado viver

Nenhum comentário:

Postar um comentário