OLHAR DEVAGAR
Lá em Minas Gerais nós
temos uma expressão redundante que usamos o tempo todo. Quando ficamos
indignados com alguma coisa, dizemos: “Olha procê vê!”. Traduzindo, essa junção
de palavras é a mistura da preposição para, com o pronome você, transformados
em “procê” com os verbos “olhar e ver”. É como se nós quiséssemos chamar
atenção, salientar, que, se quisermos ver, teremos que olhar bem.
É verdade. Nem sempre
aquele que olha vê. Porque ver é um pouco mais que olhar. Há pessoas que até
olham, mas não veem. Os mineiros sabem disso. É por isso que exclamam sempre a
redundância que alerta para a necessidade de olhar devagar para as coisas.
Olhares apressados
veem pouco. Quem não demora no que vê se limita a esbarrar na imagem. Penso no
mistério do olhar que demora, daquele que não se apressa para ver. É dom
escasso nos dias de hoje. O mundo repleto de atrativos nos faz querer ver tudo
ao mesmo tempo. neste tempo de correrias intermináveis, nós perdermos o dom de
olhar as coisas, as pessoas e os fatos com a calma que lhes são merecidas.
Há momentos da nossa
vida em que o olhar demorado acontece mais naturalmente. Quando a maternidade e
a paternidade chegam na vida do casal, por exemplo, o filho recém-nascido ao
colo provoca-lhes o desejo de contemplar a obra de suas vidas. Olham com calma
a cria de suas carnes. Olham querendo decorar suas feições. Olham querendo
descobrir o que deles e dos seus está impresso na nova criatura. Alguns pais e
mães não desaprendem de olhar com calma os filhos, mas há outros que perdem
logo o costume.
Olhar apressadamente
dificulta o crescimento apressadamente dificulta o crescimento do amor. Só a
calma da contemplação nos faz perceber o que as palavras não contam. A
intimidade se constrói com os olhos. Quando não existe, ainda que o outro
esteja ao lado, nós o perdemos de vista.
O poeta já dia que o
silêncio só é suportável àqueles que se amam. É verdade. Podemos medir o quanto
somos íntimos é depois que já esgotamos as nossas falas. Se depois das palavras
o assunto não continuar nos olhos, então estamos longe de sermos íntimos. A
intimidade é fruto do muito observar. E ser íntimo é desenvolver uma linguagem
em que não cabem equívocos. Você tem até o direito de dizer que não entendeu
nada do que o outro lhe disse, mas jamais poderá dizer que não entendeu o jeito
como ele olhou para você. Os olhos não mentem.
Eu fico pensando nos
grandes desafios de ser pai e de ser mãe nestes tempos de tantas correrias.
Fico pensando no desafio de estabelecer laços fecundos nestes tempos tão marcados
pelas relações superficiais.
A vida tem me
ensinado. Laços duradouros nem sempre são laços sanguíneos. Ser parente de
alguém não representa muita coisa quando o assunto é intimidade, cumplicidade,
duração. Por vezes, experimentamos mais profundidade e abertura com um amigo do
que com o próprio irmão de sangue.
Pe. Fábio de Melo
Livro: É sagrado
viver
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