O ETERNO MORA AO LADO
Vejo as palavras. Elas não me pertencem
apenas solicito que se hospedem em
mim. Tudo mais é silêncio que se empoem sobre outros pequenos
silêncios. Sou solidão. Nada me acompanha nada me ouve, nada me encanta, a não
ser a certeza de me saber só.
Limito-me a nada
desejar, deixando que flua o que agora digo, confiante de que tudo o que
agora não fala um dia vem a comunicar.
E isso agora se
cumpre. O papel pousado em suas mãos revela um silencio que encontrou o
conforto da palavra, tornou-se expressão sincera deste homem que sou, enamorado
do céu.
As vezes penso que as
respostas virão, as vezes, não. Olho ao longe e o que vejo é o espelho do
tempo, convenção implorando por adoção. O mundo cada vez mas raso me desagrada.
É preciso buscar os recantos onde ainda exista profundidade que favoreça
mergulho. Eu não me adapto às estruturas da superfície. Seria o mesmo ser
mortal além da conta. Mas sou mortal. Não quero ser, mas sou.
E então me vejo
buscando os recursos da arte, transitando entre imortalidade e cadáveres. Já
não sei por onde ir. Não saberia ficar, contentar-m com o banquete onde todos
se confraternizam. Minha inadequação, eu alojo sem alardes. Não suporto o rito
que nos tempera de superficialidade, mais ainda sou capaz de sorrir e desejar
bom-dia. Escuto atentamente por que em nada me interessa, mas não me desprendo
das regras da cordialidade.
Vejo que o conflito
acompanhará os meus dias. E por onde quer que meus passos me conduzam, lá ele
estará. Amadurecido, menos confuso, talvez.
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Há tanta coisa que em
mim que não me pertence. Fardos alheios que acabei trazendo sem que por eles eu
me desse conta. As preocupações nos escravizam. Tantos eus que não são meus.
Ande de vagar perto de mim. Cuidado. Apesar de pública a coisa me pertence. O
eterno fica ao lado. Alguém faça o favor de acordá-lo.
Livro: É sagrado
viver
Autor: Fábio de Melo