A indecisão do personagem de Shakespeare é a expressão da angústia que atormenta o homem moderno: sem as certezas do pensamento clássico, ele se vê perdido diante de um mundo novo, onde tudo parece se resumir ás aparências
Desde que Nicolau Maquiavel (1469-1527) escreveu O príncipe, não só a política, mas todo o aspectro das relações humanas passou a se basear nas aparências: “Os homens, em geral, julgam mais pelos olhos do que pelas mãos (...). todos vêem o que tu pareces, mas poucos o que és realmente”, afirmou o pensador italiano.
Talvez por isso o problema crucial de Hamlet seja o famoso “Ser ou não ser. Eis a questão”. Não deixa de ser curioso que seja essa, e não outra, a pergunta Hamlet se faz quando reflete sobre a atitude a tomar em relação à mãe e ao tio: por que “ser ou não ser” e não “fazer ou não fazer”? Afinal, a decisão que terá de tomar tem a ver com a ação.
Shakespeare encontra-se entre dois mundos: o clássico e o moderno. Para o mundo clássico a questão decisiva, mesmo na hora de agir, era sobre “o ser”, enquanto para o mundo moderno o que importa é “o fazer”. O que conta agora, como diria Maquiavel, não é ser honesto, mas parecer sê-lo: “disfarçar muito bem esta qualidade e ser bom simulador e dissimulador”. Hamlet sente que as coisas não são como parecem; que as sociedades na qual vive é uma farsa, um faz de conta que pode ser resumido a pura retórica, frases e mais frases sem sentido.
O que Hamlet quer saber é se a mãe e o tio “são” mesmo corruptos e assassinos, e não o que eles ou o resto da Dinamarca acham sobre o assunto.
A solução que o príncipe da Dinamarca encontrará tem raízes no mundo clássico, não no moderno. Ele acredita que há uma voz no homem que, “embora não tenha língua, se expressa-se com outras e milagrosa voz: (...) a consciência do rei se trairá com a peça”. E para isso contrata atores para representar uma cena parecida com o possível assassinato do pai: “Levarão os atores, diante do meu tio, algo de semelhante à morte do meu pai: vigiar-lhe o olhar, sondá-lo-ei ao vivo: se se enconlher... eu sei o rumo seguir”.
Autor: Rafael Ruiz
Revista: História viva pg. 76-77
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